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terça-feira, 18 de setembro de 2018

David Harvey: a vida sob a ditadura dos bancos

Em longa entrevista, o geógrafo debate as mutações do capital, Trump, os retrocessos na América Latina, vigilância global e desigualdade crescente. Ele sustenta: “o mundo parece louco, mas a luta continua”
Por Eleonora de Lucena, Leda Paulani Rodolfo Lucena, no Tutaméia
“O papel dos bancos mudou. Adam Smith pensava que os bancos existiam para servir as pessoas, mas agora é o oposto. Hoje em dia, as pessoas trabalham para servir aos bancos. Por causa de suas dívidas. Isso vai produzir raiva e as pessoas vão se dar conta de que vivem na ditadura dos bancos centrais do mundo. Talvez seja melhor viver sob a ditadura do proletariado.”
Palavras de David Harvey ao Tutaméia na noite de quinta-feira, 23.08. Em nosso estúdio caseiro, o geógrafo britânico marxista falou das crises do capitalismo, da ascensão conservadora na América Latina, do avanço do autoritarismo após o crash de 2008, de seu apoio à campanha pela libertação de Lula:
“Eu acredito que há uma conspiração da direita e, por esse motivo, eu apoio a libertação de Lula. O que foi feito com ele é ultrajante, vingativo e inaceitável do ponto de vista democrático”, declarou.
Donald Trump, Black Lives Matter, Me Too, MST, Marx, Equador, mídia. Harvey transitou por múltiplos temas. Previu uma crise na China. Propôs uma dose de desenvolvimento autônomo na América Latina e advertiu: “A esquerda precisa pensar em se organizar numa linha mais sólida, antineoliberal no mínimo, se não anticapitalista”.
Professor emérito da antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, ele passou pelo Brasil para lançar “A Loucura da Razão Econômica, Marx e o Capital no Século 21”, seu mais recente livro editado pela Boitempo.
Começamos tratando dos 200 anos do nascimento de Karl Marx, completados há pouco. Por que o filósofo segue atual?
“Ele fez uma análise muito convincente e precisa de como funciona o capital, e isso não mudou muito. Não digo que tudo que ele falou está correto. Mas, como base, é impossível imaginar algo melhor do que o que Marx elaborou”, declara Harvey, autor de vários livros decifrando o clássico “O Capital”. Nos anos 1982, ele escreveu “Os Limites do Capital”, antevendo mudanças cruciais no sistema capitalista, que caminhava para o predomínio das finanças.
Harvey fala do crash de 2008, que está completando exatos dez anos. Observa a sucessão de crises –no Sudeste asiático, na Rússia, na Turquia, nos EUA, na Europa.
Diz ele: “A crise vem se movendo. Um dos maiores impactos da crise foi que o neoliberalismo perdeu sua legitimidade. O único jeito de conservar sua legitimidade é se tornar mais autoritário. Há uma linha direta entre a crise de 2008 e a volta dos regimes autoritários, nacionalistas. Ficou claro que o livre mercado não resolve todos os problemas. A única maneira de o neoliberalismo se manter é de forma cada vez mais autoritária, não só nos EUA, mas também na América do Sul, na Europa, na Turquia, na Índia. Há uma retórica populista e autoritária”, analisa.

Crise na China
É fato que a concentração de renda aumentou no mundo após a quebra do Lehman Brothers e de todo o turbilhão que se seguiu e que segue. Há outra crise na esquina?
Harvey responde: “A crise tem objetivo de disciplinar a população para algum tipo de regime de austeridade. O dinheiro grande gosta de crise. No mundo todo, durante crises, os ricos ficam mais ricos”.
Para o marxista, “a crise vai continuar se movendo. Existe uma crise financeira prestes a acontecer na China. Uma crise imobiliária seguida de uma crise financeira, que vai diminuir o apetite da China por matérias primas. Vocês já passaram por isso no Brasil. Em 2008, o impacto não foi tão grande para o Brasil justamente por causa da China. Quando a China começou a desacelerar, os BRICS sofreram com queda no comércio”.
Loucura financeira
Harvey, 82, condena a atuação do mercado financeiro global. “Dados recentes dizem que os maiores bancos dos EUA emprestam menos de 20% a atividades produtivas. 80% vai para atividades financeiras, especulação. É dinheiro comprando dinheiro, uma pirâmide. Bancos centrais criando dinheiro em estrutura global. Acho que isso é uma loucura que não tem como perdurar. Marx imaginou que isso poderia acontecer, e que, se acontecesse, o sistema poderia entrar em colapso”, afirma.
Atento a questões urbanas, ele fala das bolhas imobiliárias e declara: “As cidades não são construídas para as pessoas morarem, mas sim como investimentos”.
Tratamos dos movimentos sociais. Diz ele: “A esquerda via por exemplo as redes sociais como mecanismos de liberação, mas elas são, na verdade, instrumentos de vigilância em muitos casos”. Na sua visão o Black Lives Matter “é muito político e reflete a longa história dessa luta nos EUA, com Martin Luther King, Malcom X etc”.
Para além do incensado Me Too (contra o assédio), Harvey diz que “há um tipo de movimento muito mais abrangente que é sobre a participação política feminina: salário igual para função igual etc. Tem mais gente se candidatando hoje do que nunca antes e isso já é muito importante”.


Ele pondera que “o movimento feminista não é claramente anticapitalista, e elas até podem ter algumas vantagens por conta do neoliberalismo”.
Grande capital adora Trump
Perguntamos sobre o futuro de Donald Trump. Harvey:
“Ele tem base, o grande capital o adora; ele desregulou muita coisa. Ele pode ser meio burro, mas fez tudo o que o mercado queria que ele fizesse. A questão sobre a possibilidade de impeachment depende das eleições para o Congresso. Eu não acho que passaria no Senado. Nós queremos nos livrar de Trump, mas também não queremos a volta da política dos Clinton”.
E acrescenta, com risos: “Eu sempre fui anti OTAN; ele também é. Tenho que admitir certa simpatia pela briga dele com a imprensa. Eu, como esquerdista, nunca me entendi bem com a imprensa americana também.
Choque na América do Sul
Antes entusiasta da onda progressista na América do Sul nos anos 2000, David Harvey está agora frustrado:
“Fiquei chocado com algumas das coisas que aconteceram recentemente na América Latina. A saída do Correa no Equador me chocou. Ele deveria ter criado uma base política, mas confiou demais no próprio carisma. Minha primeira impressão era de que a esquerda teria força o suficiente para retornar. A direita que assumiu o poder de direita agiu rápido para destruir o aparato construído pela esquerda.
Para ele, “a esquerda precisa pensar em se organizar numa linha mais sólida, antineoliberal no mínimo, se não anticapitalista”.
E continua: “O problema é que a esquerda não sabe o que fazer quando chega ao poder. Agora, várias cidades espanholas estão com governos de esquerda, mas, muitas vezes, esses governos não sabem o que fazer. Nós, da esquerda, não fizemos um bom trabalho nesse sentido.
Desenvolvimento Autônomo
Harvey ressalta que “os recursos internos disponÍveis na América Latina permitem algum nível de desenvolvimento autônomo. Houve algum sucesso na industrialização apoiada pelo Estado no Brasil. Acho que talvez seja hora de fazer isso de novo, de forma coordenada, com as outras grandes economias da região.
Ele elogia a iniciativa do banco dos BRICS e avalia que “uma maior integração das economias latino-americanas seria muito bom.”
O geógrafo lembra que “hoje em dia, o Estado é demonizado. Mas parte dele precisa ser consolidado. Se você quer lidar com problemas como o de moradia, você precisa de muita ação pública.”
Soberania alimentar e MST
Ele trata novamente do Equador. Lá, diz, “se poderia ter uma política de soberania alimentar. Acho que a questão de soberania alimentar deve ser perseguida. É importante, porque em quase todo mundo todo o modo de vida agrário foi destruído. Reconstruir uma economia rural é muito importante hoje em dia. Isso é importante do ponto de vista da economia tradicional e também do ponto de vista revolucionário, como forma de romper com o sistema capitalista internacional”.
Lembramos que o MST persegue essas ideias e Harvey emenda: “Uma lição que aprendemos é que o MST pode fazer muito mais. E isso foi uma das minhas decepções com o Lula. Lula não apoiou de verdade o MST. A reforma agrária não avançou tanto no Lula. Acho que o Estado deve apoiar as linhas propostas pelo MST.
Lula Livre
Apesar das críticas ao PT, Harvey defende a liberdade de Lula:
“Até onde sei, as provas contra Lula são muito fracas. Aparentemente, ele não fez nada que qualquer político não faria. Eu apoio o Lula Livre porque eu acho que essa é uma situação maluca. O maior acusador dele está na cadeia e o presidente atual também é acusado de corrupção. Corrupção é uma coisa complicada. É possível acusar pessoas de corrupção com alguma facilidade. Al Capone foi preso por sonegação fiscal, e não por homicídios, por exemplo. Corrupção é um conceito capcioso”.
E acrescenta: “Eu acredito que há uma conspiração da direita e, por esse motivo, eu apoio a libertação de Lula. O que foi feito com ele é ultrajante, vingativo e inaceitável do ponto de vista democrático”.
A luta continua!
Harvey fala do novo livro:
“A economia convencional não lida bem com contradições. O resultado é que surgem políticas econômicas que aumentam a desigualdade, por exemplo, e que propõem soluções que pioram o problema. Como, por exemplo, acreditar que o livre mercado é capaz de oferecer moradia acessível. Nós já vimos que isso não acontece”.
E mais: “O capitalismo, que teoricamente definiria a liberdade, na verdade, significa dívida, escravidão ao dinheiro. Se você está interessado em liberdade, agora terá que ver como nos libertaremos desse sistema”.
Algum comentário final, perguntamos?
Harvey: “A luta continua! É difícil, porque o mundo está completamente louco! O capitalismo fez algumas coisas inovadoras, fantásticas, historicamente, mas agora precisamos caminhar para outra coisa.”
Fonte: https://grupogpect.info/2018/09/17/david-harvey-a-vida-sob-a-ditadura-dos-bancos/

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Civilização contra Eros nos dias de produção de "um mito"...

 Platão no seu livro O Banquete expressa, através de diálogos, a força/energia fundante do mundo, a saber, a principal delas, Eros, que representa o Amor. Eros, entretanto, é polimórfico (tem várias formas).
“Pois o ser entre os deuses o mais antigo é honroso, dizia ele, e a prova disso é que genitores do Amor não os há, e Hesíodo afirma que primeiro nasceu o Caos... e só depois Terra de largos seios, de tudo assento sempre certo, e Amor... Diz ele então que, depois do Caos foram estes dois que nasceram, Terra e Amor. E Parmênides diz da sua origem bem antes de todos os deuses pensou em Amor”
 O amor é o belo (o belo a extrapolar o corpo físico, as belas ações e a capacidade de ser a se realizar além de si... o poeta diz: o Amor é dado de graça, é semeado no vento), mas também é virtude, em uma parte dos diálogos...  e nos lembra que Alceste, ao dar a vida pelo companheiro recebeu dos deuses a graça de voltar ao mundo dos vivos pela beleza do gesto. Dentre outras leituras possíveis para Eros (Amor), o banquete também retrata a possibilidade de nos tornarmos imortais na mortalidade que só encontra substância na força que gera, ou seja, só é possível em Eros... a pulsão que funda o mundo, energia vital, instinto, que nos leva ao trabalho e à necessidade como parte de suas expressões... por aqueles que amamos (e por nós)...
 Em algum momento, desde que fora escrito o Banquete, nós nos perdemos e nos desprendemos de Eros, pois este, só é verdadeiramente efetivo – não significa que o mesmo não se expresse ou exista – longe das estruturas de dominação inauguradas pelas sociedades de classe... ao nascerem as classes sociais, nasce o Estado e o patriarcado como sua forma de expressão (em função de determinações históricas específicas relacionadas ao controle do produto social); em um dado momento da história um grupo começa a controlar o excedente produzido pela sociedade em benefício próprio, e esse comando teve a face patriarcal.
Saíamos da sociedade comunista primitiva, onde a produção social era dividida em partes iguais para todos os que compunham a sociedade, que por sua vez tinha base matriarcal; para ver a fundação da desigualdade social (na perspectiva da produção material da riqueza social) originariamente colada à estrutura social dividida em classes e patriarcal... o patriarcado é irmão siamês histórico da desigualdade social e por ela potencializado como forma reprodutiva da divisão social-sexual do trabalho, que fornece às classes dominantes potências de dominação e muitas de nossas mazelas (basta pensar no que acontece no âmbito do capitalismo: os salários que as mulheres recebem para realizar a mesma função do homem são infinitamente menores – iniciativa privada – isso é garantir uma reprodução desigual ancorada na própria desigualdade alimentada pelo patriarcado no âmbito das classes é óbvio). Nada do que acontece à nossa volta está descolado da forma que produzimos a nossa própria existência, hoje sob a égide da infeliz influência destrutiva e castradora do capital (quando a justiça autoriza forçosamente a esterilização de uma mulher 'moradora' de rua esse encontro destrutivo e aviltante mostra o passeio dessas forças impossibilitadoras do humano no capital... e mostra também a farsa da democracia, Estado de Direito e outras coisas negociáveis nos ventos da crise que ameça a geração do mais-valor e do lucro, mulheres sofrem "impeachment" todos os dias, incluindo a torcedora russa objetificada por um coro que ela não entendia em função de não dominar a língua portuguesa e repetia um refrão que iluminou justo os maiores objetos destrutivos de si, aqueles coxinhas terceiro mundistas e sua incapacidade perceptiva e cognitiva são veículo do fascismo - depois acham exagero a fala de Marilena Chauí que os chamou de aberração - aquela velha carapuça que nossas avós nos lembra... só é livre o dinheiro que circula como personificação do capital e da mercadoria). O que representa a tripla jornada, senão a reprodução da força de trabalho necessária ao capital? A possibilidade de explorar ainda mais, a partir da maior exploração das mulheres no campo da supracitada divisão social-sexual do trabalho... a vivacidade do exército de trabalhadores reserva a oferecer o barateamento da sua força de trabalho como mantra da pulsão mercantil...
O modo de produção capitalista consegue ampliar as nossas misérias humanas e materiais, pois nele toda existência está presa num movimento – completamente desprovido de sentido – circunscrito a: lucrar-acumular e acumular-lucrar; isso feito às custas da exploração dos trabalhadores... mas para que? No Brasil, as 06 pessoas mais ricas do país, detém metade de toda riqueza aqui produzida; nenhuma delas é mulher... o governo pós-golpe tem 23 ministério (reduzidos de 32), nenhum deles tem uma mulher à frente (tampouco negros e demais “minorias”). Urge entendermos que esse tipo de “clivagem” societal produz níveis de desigualdade da qual o próprio sistema se alimenta, justo para produzir mais pobreza e mais miséria... Quantas mulheres estão na política (olhem para as cidades de vocês – quantas prefeitas temos? E vereadoras? E governadoras? E deputadas e senadoras? Esmagadora minoria... E o que aconteceu com a única presidente que tivemos em “500” e poucos anos de nossa suposta história? A violência que se instituiu e alimentou o ódio, o machismo, a homofobia, sexismo, feminicídio... num mesmo ato de depor dos anais da História não apenas uma presidente eleita, mas foi deposto (e sabotado violentamente – lembrem-se daquela sabatina no Congresso a que Dilma foi submetida, e a valentia e violência da alcateia diante dela – valentia que some ante as multinacionais do petróleo, se tornam cordeiros mansos, capachos) um governo que tinha à frente dele uma mulher, e talvez isso queira nos dizer algo sobre a forma com a qual as elites brasileiras mantém seus monstros na coleira a soltá-los quando o outro – o diferente – consegue uma mínima expressão que seja! Quando concordamos com uma “sabotagem” dessa natureza, considerando o espectro sob o qual o processo se determina e se põe, também estamos a admitir e naturalizar nas ruas daquele “psiu”, ou “ei gostosa” ao estupro (figurado num vil adesivo de Dilma de pernas abertas colados aos tanques de combustível, e depois esses valentões somem quando a gasolina, nesse “governo de homens brancos de meia idade”, experimenta sucessivos aumentos chegando à cifras próximas aos 5 reais, e ainda vão caladinho enfrentar filas para abastecer durante a greve dos caminhoneiros, agora pagando algo próximo dos 10 reais, e nenhum adesivo contendo aqueles “homens brancos de meia idade” e sequer uma expressão de raiva contra o bandido vampiresco)...  E essa quebra na cronologia da história supõe o que? Eliminar a “igualdade” e horizontalidade na produção material – veja o papel central que as mulheres tem nas sociedades indígenas, sem classe e sem Estado... mas essa história não deve ser contada.
O modo de produção capitalista anuncia muitas coisas, mas não as cumpre... Marx na sagrada família dizia a respeito da igualdade, no campo da propriedade e da posse, sob o comando do capital tem pouco significado efetivo na esteira da égide da economia política capitalista, pois só somos iguais ao sermos portadores de propriedade, todavia a crueldade da balança pesa para o lado mais forte... de um lado estão aqueles que historicamente apenas puderam possuir sua força de trabalho e de outro os donos dos meios de produção... a nós resta nos vender enquanto desprendimento de cérebro, nervos e músculo e isso, aparentemente, nos faz crer que somos tributários dos donos dos meios de produção, no sentido de que deles somos dependentes para termos trabalho: o que seria de nós se não fossem os ricos / empresários, bondosos e piedosos para com a nossa necessidade de trabalho. Faça a pergunta contrária, o que seria deles com as suas máquinas e fábricas, paradas sem o nosso trabalho??? A tragédia do desenvolvimento é a nossa realização cega (para lembrar de Fausto...) a destruir Eros, energias vitais e os nossos necessários instintos libidinosos (por que criadores) reprimidos com toda sorte de teologias: das filosofias históricas de marcha única, ao progresso e à prosperidade (a trindade da enganação). O Amor (Eros) hoje é uma mercadoria!
Marcuse em Eros e Civilização expressou um otimismo (também não realizado) da seguinte maneira: “[...] que as realizações da sociedade industrial avançada habilitariam o ser humano a inverter o rumo do progresso, a romper a união fatal de produtividade e destruição, de liberdade e repressão – por outras palavras, a aprender a gaya sciencia de como usar a riqueza social para moldar o mundo humano de acordo com seus instintos vitais, na luta combinada contra os provisores da morte” (p. 13). Porém o que nos foi ofertado são formas repressivas de controle que sustentam a violência inexorável de um movimento completamente sem sentido, moldado pelo dinheiro, de produção em massa de mercadorias e pessoas negociáveis... aquilo que Kurz chamaria de seres humanos não rentáveis, com as “minorias” degrau abaixo dessa vil rentabilidade (juventude negra nas periferias, mulheres, LGBT’s, são ainda mais não rentáveis do que os outros não rentáveis - lembrando que a diferença de rentabilidade é vital para a reprodução do capital) . A civilização mata Eros a cada dia mais, pois as forças do capitalismo, nos lembra Mészáros (2002), hoje são sobremodo destrutivas (olhe para algo que não enfrente um processo de destrutividade; consegue encontrar???).
Marcuse vê essa destrutividade da seguinte forma: “É quase impossível reconhecer nas aspirações assim definidas as de Eros e sua transformação autônoma de um meio e de uma existência repressivos. Se essas finalidades tiverem de ser satisfeitas sem um conflito irreconciliável com os requisitos da economia de mercado, deverão ser satisfeitas dentro do quadro estrutural do comércio e do lucro. Mas este gênero de satisfação equivaleria a uma negação, pois a energia erótica dos Instintos de Vida não pode ser libertada sob as condições desumanizantes da afluência lucrativa” (p. 22).
Duas coisas no horizonte da luta contra os fundamentos da desigualdades sob a base da sociedade capitalista (capital e propriedade privada) são imprescindíveis para reconstruir a igualdade não amorfa (que redistribuí o produto social de forma igualitária): a restauração da potência política do “matriarcado – no sentido da centralidade” – que sustentou de forma mais efetiva essa igualdade na história e o encontro com o Eros restaurado como a potência que se recusa a alimentar-se de dinheiro, poder, útero, órgão sexual, cor da pele e toda sorte do que nos torna iguais apenas como miseráveis a navegar nesse barco de uma rota sem sentido que não vai a lugar nenhum. Caso queira continuar essa navegação, embarque nas asneiras ditas por um suposto "mito" que em si não é nada, todavia no para-si encarna autoritarismo que sempre agrada ao capital em sua verve de exploração-expropriação nas curvas da divisão social-sexual do trabalho, pois o útero deve ser entregue à sorte do mercado, para ser massacrado, como a carcaça do tempo que gera a vida capturado no nascedouro, sempre. A luta pela vida, por Eros (parafraseando Marcuse), pelos direitos das mulheres, é uma luta política – contra a “civilização” – e sobremodo é uma luta pela vida!!!

Wagnervalter Dutra Júnior

Referência
Platão - O Banquete
Engels - A origem da família da propriedade privada edo Estado
Marcuse - Eros e civilização