MARCELO TORREÃO SÁ*
Na história real, como se sabe, a conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência, desempenham o principal papel (MARX, 1988, p. 340).
A morte de trabalhadores rurais no Pará em 2011 é fruto de mais de 500 anos de lutas pela terra no Brasil. A expansão da fronteira agrícola no norte brasileiro faz lembrar as histórias dos confrontos pela terra e os contínuos assassinatos dos trabalhadores rurais. No relatório da Comissão Pastoral da Terra de 2010 (TABELA 01) vemos a dimensão desse conflito em pleno século XXI em terras brasileiras.
Total | N.º de Conflitos | Pessoas Envolvidas | Assassinatos | Tentativas de Assassinatos | Mortos em Conseqüência |
1.186 | 559.401 | 34 | 55 | 19 |
Continuação
Total | Ameaçados de Morte | Torturados | Presos | Agredidos |
125 | 4 | 88 | 90 |
O conflito social em terras brasileira é a repetição de forma diferenciada e perversa, pois hoje temos o discurso da igualdade perante a lei, do que aconteceram tempos atrás na Europa e nas diversas terras em que o modo de produção capitalista adentrou para usurpar e estabelecer sua lógica de exploração do capital. A expansão da fronteira agrícola, no norte brasileiro, e as conseqüências dos conflitos entre capital-trabalho, são reflexos da reprodução do sistema capitalista em sua acumulação ampliada nas novas fronteiras geográficas.
Sem prescindir do apoio da história, lançamo-nos num rápido olhar sobre o passado, precisamente na Europa do século XVI, para revelar que a acumulação ampliada se desdobra no Brasil contemporâneo como forma de expansão do capital sobre novos espaços de reprodução de sua lógica.
Marx escreve, na epígrafe sobre a Europa do século XVI, e relata que a acumulação primitiva ocorreu à base da expropriação, da violência e que tinham objetivos claros de obter “[...], uma posição servil da massa do povo, [e] sua transformação em trabalhadores de aluguel e a de seus meios de trabalho em capital” (MARX, 1996, p. 345). Ou seja, a acumulação primitiva utilizou:
O roubo dos bens da Igreja, a fraudulenta alienação dos domínios do Estado, o furto da propriedade comunal, a transformação usurpadora e executada com terrorismo inescrupuloso da propriedade feudal e clânica em propriedade privada moderna, foram outros tantos métodos idílicos da acumulação primitiva. Eles conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram a base fundiária ao capital e criaram para a indústria urbana a oferta necessária de um proletariado livre como os pássaros. (MARX, 1996, p. 355)
As consequências foram:
A acumulação primitiva se realizou, principalmente, a partir da expropriação da terra e dos meios de produção na Europa e se repetiu com maior intensidade e voracidade, no processo de colonização que os europeus impetram ao resto do mundo. Essa ação permitiu a acumulação de capital nas mãos da nascente burguesia européia e sua efetiva expansão marítima. Ou seja, a acumulação primitiva foi o principio para a expansão marítima Européia.
Portugal conseguiu estender seus domínios por diferentes partes do globo terrestre. Essa ação portuguesa, obrigou as outras nações européias, principalmente à Espanha, a empreender à corrida global por espaços geográficos e conquistar através da violência, extermínio e escravidão pontos estratégicos com o intuito de pilhar, comercializar e colonizar. Em outras palavras: a geopolítica do capitalismo nascente foi fundada no sangue e no fogo através da conquista, da violência, da escravidão mercantil e do extermínio em massa dos povos subjugados, tendo como objetivo último o imperialismo.
Foi desse emaranhado de articulações espaciais e perversidades sistêmicas que se forjaram novos espaços dentro da economia-mundo. Nessa questão, o Brasil foi conquistado pelos mercantilistas portugueses e seus habitantes, primeiramente, em um processo de aldeamento e depois de caça, extermínio e escravização, serviram ao propósito da demografia.
O confronto pela terra surge com a colonização e a divisão de terras no Brasil colônia. As famigeradas Capitanias Hereditárias que dividiu o Brasil em imensos latifúndios com poucas famílias proprietárias. Era o capital na acumulação primitiva brasileira expropriando do trabalhador a possibilidade de serem donos dos meios de produção, a terra. Como a maioria não aceitava o trabalho assalariado, muitas terras e pouca demografia, a escravidão foi à saída. Karl Marx (1996 p. 386) já relatava esse fato: “o instinto de auto-expropriação da humanidade trabalhadora em honra do capital existe tão pouco que a escravidão [...] é o único fundamento naturalmente desenvolvido da riqueza colonial”.
De início essa escravidão se deu na caça aos índios. Posteriormente, a escravidão no Brasil colônia se intensifica, com os negros expatriados da África, pela crescente necessidade de trabalhadores nas lavouras de exportação. Novack (2008. p.86) relata que a saída dos europeus para o problema da força de trabalho nas colônias saiu da combinação da produção capitalista com relações de produção não-capitalistas: “Esse modo de produção foi exportado [...] [ao] Novo Mundo como a forma mais lucrativa e viável de mão-de-obra para cultivar produtos de consumo como açúcar, tabaco [...], e para extrair metais preciosos”. E completa afirmando que: “Desde suas origens, foi uma escravidão mercantilizada e aburguesada. O tráfico de escravos foi em si mesmo uma das formas principais de empreendimento comercial” (NOVACK, 2008. p.87).
Vários confrontos ocorreram devido aos embates entre os escravos, que formaram os quilombos – expressão máxima da resistência dos negros contra o processo de escravização –, e os escravocratas. Com a libertação, os escravos, foram jogados como ‘pássaros livres’, a sua própria sorte, e impulsionaram, conjuntamente com outros trabalhadores, os confrontos sociais pela posse da terra. Vários confrontos pela posse da terra aconteceram no Brasil, nesse tempo. Os trabalhadores em sua maior parte perderam, fugiram ou foram exterminados. Incentivados pelos discursos de melhoria e paz incharam as cidades tornando-se, em sua maioria, nos vagabundos, traficantes, assaltantes, desempregados, subempregados das imensas periferias.
No caso do Pará nada é novo e nada irá mudar. O Estado burguês não quer resolver e não vai resolver esses confrontos. Vamos ouvir discursos como ouvimos a décadas. Infelizmente nada de concreto vai ser feito, pois desnudaria a própria lógica do capital que é concentrar renda e desapropriar o trabalhador da possibilidade de ser proprietário dos meios de produção. O Estado burguês, ao contrario, objetiva o confronto social para justificar a sua própria existência.
O confronto social foi estabelecido, entre os que têm e os que não têm, nos espaços urbanos e rurais com milhares de presos, assassinatos, movimentos de resistência e luta. Uma guerra social que não terá nuca fim – nem com UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), educação ou qualquer outra forma de reformar o irreformável sistema da desigualdade capitalista. O sistema do confronto social e da luta entre capital-trabalho.
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