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Élysée Reclus

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Das armas da crítica a crítica das armas: a barbárie bate à nossa porta como o abismo que te decifra e te devora1.

Wagnervalter Dutra Júnior

UNEB/PPGELS/GPECT

 

Introdução: apontamentos iniciais

 

Na Introdução da Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, Marx estrutura um conjunto de reflexões que objetivava combater as vertentes idealistas e metafísicas de matriz hegeliana, que compunham expressiva parte do sentido filosófico de naturalização da ordem do capital, ou a sua mais completa fetichização expressa na inexorabilidade da marcha do oriente ao ocidente, construída pela leitura da filosofia da história de Hegel; não à toa inicia com o seguinte argumento: “a crítica da religião é o pressuposto de toda crítica”. O que estaria por trás de uma afirmação dessa envergadura?

Quando observamos o mundo de hoje, o mundo da dessubstancialização do humano, dos seres humanos não rentáveis – como alerta Robert Kurz –; percebemos uma profusão de concepções irracionalistas e atitudes que convertem os problemas estruturais da lógica acumulativa, em problemas passíveis de resolução apenas na esfera do indivíduo, invertem o pólo de onde a realidade emerge concretamente, e, assim, a compreensão da gênese e condição histórica da humanidade lhe é roubada, a realidade passa a ser algo sempre apriorístico, sempre dado, nesse jogo de cartas marcadas o palco do acontecer salvífico (BENJAMIN, 2013) é o máximo que podemos atingir; os joelhos dobram ante a ilusão de um mundo sempre adiado e ante o bezerro de ouro (o Deus Mamon). Tais concepções não passam a limpo, não refletem sobre o crivo do que nos produz enquanto humanos, enquanto famintos, pobres, miseráveis, descartáveis e supérfluos ao funcionamento de uma sociedade. Também não esclarece como se produz os ricos (burgueses). Quais as implicações dessa forma de produzir uma determinada concepção de mundo invertida (às avessas)?

Um mundo que perde a sua própria essência (sua humanidade) e onde se assiste a tudo isso impassível, quase que num estágio de coma semi-profundo? Um outro sono dogmático? Outra revolução copernicana nos rumos da filosofia? Que misérias enfrentamos, ou nunca enfrentamos, ou temos medo de enfrentar? Por quê o medo de se olhar no espelho e conseguir um lapso reflexo de humanidade, se assustar com isso, aumentar o medo; por nunca experimentar a efetividade da partilha de um mundo que se olha e se vê, completo, por inteiro, demasiado e emancipadamente humano?

Após 500 anos de exploração (neo)colonial/imperialista, um grupo de indígenas do alto da Sierra Maestra se insurgiu, e perguntou ao mundo quem deveria pedir perdão após cinco séculos em que os indígenas foram expropriados de tudo. “De que temos que pedir perdão? Quem vai nos perdoar? De não morrermos de fome? De não nos calar em nossa miséria? De ter nos levantado em arma, quando encontramos todos os outros caminhos fechados? De que temos que pedir perdão? De não nos render? De não nos vender? De não nos trair? Quem tem de pedir perdão? E quem pode outorga-lo?”

O que mais esse mundo nos tira, além da substância viva (nossa vitalidade) na gangorra vampiresca que suga trabalho vivo, completamente escravizada por um mundo em que poucos, muito poucos, desfrutam da riqueza socialmente produzida e goza desse mundo, ao passo que os demais vivem uma imensa correria tentando alcançar o dia seguinte, e ter pelo menos uma casa antes de morrer.

Acrescente à conta do ultraliberal – old chicago boy – Paulo Guedes a fome que retorna, a pobreza que aumenta, a miséria, o desemprego e a nossa insistência em viver demais e atrapalhar o assalto ao fundo público via previdência social (“deficitária”). Qual a razão de nos deixar levar por palavras aparentemente bonitas (como reforma, austeridade, Estado mínimo, sanear contas públicas, enxugar a máquina – e por que metáforas tão “de casa”?), expressas no som da grave voz de William Bonner no jornal das oito?

O que nos tornou/a escravos (a propriedade privada dos meios de produção e o subsequente óbvio controle do trabalho/terra – do metabolismo societal), foi o que nos afastou historicamente de qualquer possibilidade de existir fora das mãos dos mercadores da ganância, do dinheiro, do intercâmbio do trabalho alheio que saltou da esfera do controle imediato e viu seu patrão pulverizado em holdings, spreads bancários e a mais pura especulação na Bolsa de Valores (seja de Tokyo ou Nova York – ao capital muito pouco importa); todavia, sem o trabalho e o trabalhador tudo se transforma num grande 1929 a lá Caverna do Dragão: sem saída.

 

Armas da crítica e crítica das armas: considerações sobre o humano às avessas

 

Refletindo sobre essa dimensão da materialidade das armas e da crítica, das armas da crítica e da crítica das armas (não é, jamais, uma questão do puro pensar, da crítica especulativa, do criticismo kantiano – o problema da razão ou da cognoscibilidade do conhecimento –, da crítica apenas como denúncia); a crítica2 é a suprassunção do mundo (da realidade concreta) que se enfrenta, que é o seu objeto; suprassumir a sua materialidade e as decorrentes relações institucionais e imateriais (autonomizadas em aparência, como o treino de um coletivo que não percebeu que “a religião é um suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma” MARX, 2005), não só a revolução é um ato histórico, o pensar também é um ato histórico antes de ser um ato mental.

A nossa imaginação é material, e a matéria é nossa imaginação, há um tecido/tessitura do mundo ancorada no que decorre dos nossos pôres teleológicos primários – necessidade de viver até o outro dia –, para isso comemos, construímos casas, bebemos, nos educamos, aprendemos, tudo isso quando ao interagir com a natureza através do trabalho produzimos comida real que enche nossa barriga de matéria que alimenta, para que depois caiba um pouco de fantasia, mas para continua sendo preciso o dia seguinte. Tudo que nos “educa” – no sentido de treinar e adestrar – para não percebemos que o ser humano não “é um ser abstrato, acocorado fora do mundo” (MARX, 2005), depõe contra a compreensão do profundo caráter histórico de tudo que existe, inclusive da natureza que se historiciza no processo de nossa constituição sociometabólica.

O fetichismo da mercadoria, a alienação, a ideologia cimentam-se num profundo escamoteamento das nossas misérias reais – um mundo refém do movimento autovalorativo do valor, do lucro –, nos tornando cúmplices, e até talvez parceiros, da própria barbárie que nos assola. Barbárie se tivermos sorte? Nem sei se cabe mais a palavra sorte em algum lugar desse mundo, que virou um grande campo de concentração, como um zoológico humano, à vista de um grande cassino (como parte do pacote turístico inclui assistir de camarote-cassino esse espetáculo chamado trabalhador-pobre-miserável-lumpesinato) de onde os burgueses reais – aqueles que podem bancar uma volta de foguete na atmosfera terrestre no mesmo momento em que mais de 60% dos lares brasileiros são atingidos por algum tipo de insegurança alimentar – apreciam a bela vista, garantia de que seus lucros continuem destruindo o mesmo metabolismo que possibilita nossa autocriação, em sentido ontologicamente amplo; contudo faz-se, pelas mãos da ideologia, algo distante, ilusório, mágico; uma força estranha que a tudo governa.

Essa força estranha, fonte “mágica” da riqueza, que, por exemplo, o papel-moeda representa e procura esconder no seu desvelamento transcendental é a perversa inversão que no plano aparente nos faz crer que é a Moeda que faz o ser humano (riqueza), e não o ser humano (riqueza) que faz a Moeda.

A naturalização poderia encontrar somente esse caminho suposto mediante o "natural" presumido da história no bojo da ideologia capitalista: ela esconde a perversão da igualdade jurídica substanciada na desigualdade econômica da divinizada/mágica/transcendental propriedade privada dos meios de produção, que condenou milhões à venda da sua força de trabalho como única forma de sobreviver, quando os poucos escondidos por trás da Moeda n° 1 dizem ser natural essa condenação (DUTRA JR, 2015)

            A busca incessante da Moeda n° 1 pelos personagens do desenho de Walt Disney, Tio Patinhas, aborda a centralidade que a equivalência universal representada pelo dinheiro e o fetiche da riqueza abstrata dada pela posse da primeira Moeda exercem no conjunto da sociabilidade fundada no valor de troca e no mercado. A metáfora desenvolvida por Martins em seu texto: Tio Patinhas no centro do universo; exemplifica como as relações sociais estão fundadas na forma alienada de conceber o dinheiro em si com a posse da riqueza, eliminando o trabalho da constituição da produção e riqueza social, e condenando os seres humanos na busca sem sentido do fim em si da lógica autovalorativa do capital. Ver: MARTINS, J. S. Tio Patinhas no centro do universo. In: MARTINS, J. S. Uma sociologia da vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan Fernandes, Wright Mills e Henri Lefebvre. São Paulo: Contexto, 2014; p. 93 – 103” (DUTRA JR., 2015).

            Nesse contexto o campo da barbárie é o campo da velocidade (dos muitos tempos de vida sobrepostos e dominados pelos tempos de giro dos capitais individuais que se escondem enquanto capital social total), que Milan Kundera vê como a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem, o ser humano dá velozes passos para a barbárie, assim expresso em algumas linhas do próprio Kundera:

 

“Ao contrário do motociclista, quem corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar sempre me suas bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem delega a uma máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio corpo fica fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que é incorpórea, imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase” (2011, p. 7 – 8).

 

            Enquanto isso, em Patópolis, o segredo da ordem não é ter, permanece sendo esperar ter, quantas coisas esperamos ter? (e quanto concentramos nessa esfera irrealizável?). Os mesmos dramas imensos que nos cercam no cotidiano das outras Patópolis (independentes de serem médias / pequenas); somos seres mutilados, porque materialmente ter nos priva de humanamente ser (MARTINS, 2014); essa é a marca de toda uma época, de uma forma histórica específica de experiência do espaço-tempo e de sua produção; uma experiência partida, negada.

Walter Benjamin (2012), em seu texto experiência e pobreza aborda o significado da experiência num mundo em crise, no contexto da Primeira Grande Guerra. A princípio fala da parábola de um velho que no seu leito de morte revela aos filhos a existência de um tesouro oculto em seus vinhedos. Ao cavar nas proximidades os filhos não encontram o menor vestígio desse tesouro. Chegado o outono, todavia, as vinhas produziram mais do que qualquer outra da região; depois os filhos compreenderam que o pai transmitira a eles uma certa experiência: “a felicidade não está no ouro, mas no trabalho duro” (p. 123). A experiência equivalia à comunicação pelos mais velhos aos mais jovens sobre inúmeras questões da vida e da existência. Mas se questiona sobre o alcance dessa mesma experiência nos dias de 1933, quando escreveu o texto: “Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam narrar algo direito? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração?” (p. 123), dentre outras questões.

A geração de 1914 – 1918 viveu uma das mais terríveis experiências da história universal, com isso, ressalta Benjamin (2012), a forma clara com que é possível perceber que as experiências estão em baixa; na época da guerra era notável que os combatentes retornavam silenciosos dos campos de batalha, mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos; inclusive os póstumos livros de guerra da década seguinte não conseguiram trazer à tona experiências transmissíveis de boca em boca. Complementa com a ressalva de que nunca houvera existido “experiências mais radicalmente desmentidas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes [...]” e isso tudo envolto num “[...] centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras [...]” e lá “[...] estava o frágil e minúsculo corpo humano” (124). Que enfrenta filas para receberem ossos doados por açougueiros em Cuiabá, conforme amplamente noticiado em rede nacional, ou mesmo comprar arroz e feijão quebrados (sobra); a inflação é dessas experiências que a hegemonia e o ethos ideológico dominante conseguiram domar como experiência não comunicada, por que natural no âmbito da economia que parece sempre ter vontade própria ou mesmo vida própria, saltando aos olhos nas falas dos âncoras do jornalismo econômico de forma geral – o mercado sempre é muito mais bem tratado que qualquer dos convidados na Globo News.

O desenvolvimento do capital, impulsionado pela guerra, atou indelevelmente a técnica, sob o controle das “forças estranhas” do tempo de trabalho socialmente necessário ao destino da humanidade. Por essa razão é conveniente expressar mais algumas ideias de Benjamin a esse respeito:

 

“Uma forma completamente nova de miséria recaiu sobre os homens com esse monstruoso desenvolvimento da técnica. A angustiante riqueza de ideias que se difundiu entre – ou melhor, sobre – as pessoas, com a renovação da astrologia e da ioga, da Christian Science e da quiromancia, do vegetarianismo e da gnose, da escolástica e do espiritismo, é o reverso dessa miséria. Pois não é uma renovação autêntica que está em jogo, e sim uma galvanização [...] Aqui porém revela-se com toda clareza que nossa pobreza de experiência é apenas uma parte da grande pobreza que recebeu novamente um rosto, nítido e preciso como o do mendigo medieval. Pois qual o valor de todo nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós? A horrível mixórdia de estilos e visões de mundo do século passado mostrou-nos com tanta clareza aonde esses valores culturais podem nos conduzir quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova de honradez confessar nossa pobreza. Sim, confessemos: essa pobreza não é apenas pobreza em experiências privadas, mas em experiência da humanidade em geral. Surge assim uma nova barbárie [...] Ela [essa nova barbárie] o impele a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, a construir com pouco, sem olhar nem para a direita e nem para a esquerda” (BENJAMIN, 2012, p. 124 – 125)

 

            Esse contexto nos torna tão resignados na nossa própria miséria, na nossa própria barbárie, que fica difícil compreender, ou mesmo expressar, as bases materiais que as produzem, pois ao final, a narrativa desse mundo é sempre o fim da história, o horizonte inegociável que se fecha; contudo o fardo do nosso tempo histórico permanece intocado.

As potências nascentes de um mundo fundado sob a capital exigiram desde cedo sacrifícios aos que, historicamente, não participariam do Banquete prometido pelo progresso à frente, apesar da impossibilidade de realização do mesmo sem os “não participantes”.

Uma passagem do livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, traz um diálogo entre o bispo D. Bienvenu e o convencionalista G. sobre acontecimentos e contextos históricos referentes aos desdobramentos da Revolução Francesa, onde G. recorda a tragédia de uma mãe no século XVII. Enquanto amamentava o filho é amarrada ao pelourinho, nua até a cintura, com o seio cheio de leite e o coração cheio de angústia; a criança mantida à distância, com fome empalidece, vendo cair o leite sem alimentá-la, agonizava; o carrasco diz à mulher, ao tempo mãe e lactante: - Abjura! -, oferecendo-lhe escolha entre a morte da criança e a morte da sua consciência. G. retorna o olhar para o bispo e questiona: “Que diz o senhor desse suplício de Tântalo aplicado a uma mãe?” (HUGO, 2017, p. 90 – 91).

Tântalo foi um lendário rei da Líbia, condenado por Zeus a ficar eternamente atado a uma árvore carregada de frutos, no meio de um lago limpídissimo, sem poder matar a própria fome e sede (HUGO, 2017).

O dilema enfrentado pela mãe e a analogia com a condenação de Tântalo oferece pouca escolha, em ambas as situações a morte de algo se faz sempre certa; pela fome, pela sede, pelo envenenamento, pela austeridade, pelo desemprego, pela perda sistemática de direitos e proteção social, pelo Estado mínimo ou pela consciência.

A vista do horizonte é uma casa, um enclave, no caminho do progresso; o prenuncio de uma realização que não oferece nada além da escravidão sísifica – referência ao mito grego de Sísifo, condenado a empurrar por toda a existência uma pedra ao topo da montanha que ao atingir o cume rolava abaixo recomeçando o trabalho.

A “escravidão sísifica” – valorização do valor – prendeu os homens de um determinado tempo histórico – o tempo do sociometabolismo do capital – ao poder estranho de produzir algo cuja utilidade não se fazia presente de imediato. Esse poder, inaugurado como riqueza para os novos tempos, pôs abaixo aquela casa na linha do horizonte, e o casal que a habitava – Filemon e Baucis, personagens de Fausto de Goethe – sucumbe ao que estranhamente convenciona-se entender por progresso, elimina-se entraves, que são, também, seres humanos; com eles a criança, o leite, a consciência e a utilidade do humano agora convertida na inutilidade da forma valor, a riqueza que não mais alimenta sem a mediação de uma equivalência geral do trabalho humano abstrato, que, todavia, não se encontra no trabalho do outro como concreto da necessidade e da vida.

Refletindo a história do pensamento econômico, Heilbroner (1996) reconhece que o mercado funda a nova organização da sociedade sob o capital, na medida em que o universaliza. A aposta do capital é alta: “O velho brado repercuta: Rende obediência à força bruta! E se lhe obstares a investida, Arrisca o teto, os bens e a vida” (GOETHE, 2011, p. 575).

Essa aposta representa uma condição a se reproduzir historicamente, condição sem a qual o capital não pode existir. A separação entre os trabalhadores, agora livres na medida das necessidades móveis do capital no contexto dos cercamentos – acumulação primitiva –, e os meios de produção. Condição que relega aos mesmos a satisfação das suas necessidades em mãos estranhas, agora dependentes do acesso aos meios de produção controlados pelos capitalistas.

A expressão ideal da relação material de base para o capital foi traduzida por Heilbroner (1996) na forma sob a qual a economia encontra-se com sua parteira, balbuciada na filosofia moral de Adam Smith, cuja mensagem pôs-se límpida: “A nova filosofia nasceu com um novo problema: como manter os pobres, pobres” (p. 41).

 

Derradeiras palavras (in)conclusivas

 

Soma de nossas desumanidades que não se comunicam, pois perderam a capacidade de enxergar o outro como humano, pois isso também lhe foi negado, a barbárie do capital funda-se nessa desumanidade completamente naturalizada, e as profundas decorrências desse processo (um mundo em que como diriam Cristhian Dunker e Vladimir Safatle o sofrimento psíquico é o próprio neoliberalismo).

Mas nessa barbárie cabe tanto os desfiles militares e espetáculos esdrúxulos quanto possíveis forem para garantir, por trimestre, uma das maiores séries históricas de lucratividade dos 4 maiores bancos brasileiros que negociam ações na Bolsa de Valores – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander –, o crescimento da lucratividade atingiu 46,4% em relação ao mesmo período do ano passado, totalizando R$ 21,8 bilhões de reais3.

A crítica radical será sempre necessária num mundo como esse, para dirimir todas as fantasmagorias e externalidades metafísicas, e começar a enfrentar o estado de coisas atual com duas concepções que Marx desenvolve no texto citado de início: “a raiz do ser humano é o próprio ser humano” e que “a teoria se converta em força material ao se apoderar das massas”.

 

Notas

 

1. Texto elaborado para mediação na programação de abertura do semestre letivo 2021.2 vinculado à semana de integração do Departamento de Ciências Humanas – DCH VI da UNEB campus Caetité/BA. O tema geral proposto foi: Das armas da crítica a crítica das armas: a importância do pensamento crítico na luta contra a barbárie, tendo como palestrante a Profa. Dra. Alexandrina Luz Conceição UFS/PPGEO/GPECT.

2. Em 1843, Marx escreve algumas cartas ao seu editor nos Anais Alemães, Arnold Ruge, com quem ele planeja a edição de uma revista franco-alemã demonstrara como Marx entendia o que era a crítica, já nos primeiros anos de sua profícua produção bibliográfica: “a vantagem da nova tendência é justamente a de que não queremos antecipar dogmaticamente o mundo, mas encontrar o novo mundo a partir da crítica do antigo [...] A filosofia se tornou mundana e a prova cabal disso é que a própria consciência filosófica foi arrastada para dentro da agonia da batalha, e isso não só exteriormente, mas também interiormente. Embora a construção do futuro e sua consolidação definitiva não seja assunto nosso, tanto mais líquido e certo é o que atualmente temos de realizar; refiro-me à crítica inescrupulosa da realidade dada; inescrupulosa tanto no sentido de que a crítica não pode temer os seus próprios resultados quanto no sentido de que não pode temer os conflitos com os poderes estabelecidos [...]” (MARX apud BENSÄID, 2010, p. 10). O prenúncio do que seria a medida da efetiva crítica marxiana delineia-se – crítica compromissada com a radicalidade de todos os fatos concretos e com a superação de um mundo que é a imensa prisão para a maioria dos que o habitam, a crítica teórico-prática, a crítica centrada na totalidade, a crítica que não cruza os braços diante do mundo, tampouco o produz pela palavra – como os Crítico críticos; a crítica que só é crítica por se posicionar e lutar pela superação da ordem, da filosofia, da agonia da batalha e desse mundo que precisa de ilusões.

3. https://www.poder360.com.br/economia/maiores-bancos-lucram-r-218-bilhoes-no-1o-trimestre/.

 

Referências

 

BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8º Ed. revista. São Paulo: Brasiliense, 2012 – (Obras Escolhidas v. 1).

 

DUTRA JR, W. O (des)conceito de Homem na leitura do espaço-tempo  postulado na Geografia Humana: Os enigmas de uma Geografia Humana sem Homens. 2015. 274 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2015.

 

GOETHE, J. W. Fausto: uma tragédia – segunda parte. São Paulo: Editora 34, 2011.

 

HEILBRONER, R. História do pensamento econômico. São Paulo, 1996 (Col. Os Economistas).

 

HUGO, V. Os miseráveis. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017.

 

 

KUNDERA, M. A lentidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

 

MARTINS, J. S. Tio Patinhas no centro do universo. In: MARTINS, J. S. Uma sociologia da vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan Fernandes, de Wright Mills e de Henri Lefebvre. São Paulo: Contexto, 2014.

 

MARX, K. Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005 (p. 145 – 156).

 

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006.

 

MARX, K. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.

 

MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. 2º Ed. São Paulo: Boitempo, 2017.