Wagnervalter Dutra Júnior
UNEB/PPGELS/GPECT
Introdução: apontamentos iniciais
Na Introdução da Crítica à Filosofia do
Direito de Hegel, Marx estrutura um conjunto de reflexões que objetivava
combater as vertentes idealistas e metafísicas de matriz hegeliana, que compunham
expressiva parte do sentido filosófico de naturalização da ordem do capital, ou
a sua mais completa fetichização expressa na inexorabilidade da marcha do
oriente ao ocidente, construída pela leitura da filosofia da história de Hegel;
não à toa inicia com o seguinte argumento: “a crítica da religião é o
pressuposto de toda crítica”. O que estaria por trás de uma afirmação dessa
envergadura?
Quando observamos o mundo de hoje, o mundo da
dessubstancialização do humano, dos seres humanos não rentáveis – como alerta
Robert Kurz –; percebemos uma profusão de concepções irracionalistas e atitudes
que convertem os problemas estruturais da lógica acumulativa, em problemas
passíveis de resolução apenas na esfera do indivíduo, invertem o pólo de onde a
realidade emerge concretamente, e, assim, a compreensão da gênese e condição
histórica da humanidade lhe é roubada, a realidade passa a ser algo sempre apriorístico,
sempre dado, nesse jogo de cartas marcadas o palco do acontecer salvífico (BENJAMIN,
2013) é o máximo que podemos atingir; os joelhos dobram ante a ilusão de um
mundo sempre adiado e ante o bezerro de ouro (o Deus Mamon). Tais concepções
não passam a limpo, não refletem sobre o crivo do que nos produz enquanto
humanos, enquanto famintos, pobres, miseráveis, descartáveis e supérfluos ao
funcionamento de uma sociedade. Também não esclarece como se produz os ricos
(burgueses). Quais as implicações dessa forma de produzir uma determinada
concepção de mundo invertida (às avessas)?
Um mundo que perde a sua própria essência (sua
humanidade) e onde se assiste a tudo isso impassível, quase que num estágio de
coma semi-profundo? Um outro sono dogmático? Outra revolução copernicana nos
rumos da filosofia? Que misérias enfrentamos, ou nunca enfrentamos, ou temos
medo de enfrentar? Por quê o medo de se olhar no espelho e conseguir um lapso
reflexo de humanidade, se assustar com isso, aumentar o medo; por nunca
experimentar a efetividade da partilha de um mundo que se olha e se vê, completo,
por inteiro, demasiado e emancipadamente humano?
Após 500 anos de exploração
(neo)colonial/imperialista, um grupo de indígenas do alto da Sierra Maestra se
insurgiu, e perguntou ao mundo quem deveria pedir perdão após cinco séculos em
que os indígenas foram expropriados de tudo. “De que temos que pedir perdão?
Quem vai nos perdoar? De não morrermos de fome? De não nos calar em nossa
miséria? De ter nos levantado em arma, quando encontramos todos os outros
caminhos fechados? De que temos que pedir perdão? De não nos render? De não nos
vender? De não nos trair? Quem tem de pedir perdão? E quem pode outorga-lo?”
O que mais esse mundo nos tira, além da
substância viva (nossa vitalidade) na gangorra vampiresca que suga trabalho
vivo, completamente escravizada por um mundo em que poucos, muito poucos,
desfrutam da riqueza socialmente produzida e goza desse mundo, ao passo que os
demais vivem uma imensa correria tentando alcançar o dia seguinte, e ter pelo
menos uma casa antes de morrer.
Acrescente à conta do ultraliberal – old
chicago boy – Paulo Guedes a fome que retorna, a pobreza que aumenta, a
miséria, o desemprego e a nossa insistência em viver demais e atrapalhar o
assalto ao fundo público via previdência social (“deficitária”). Qual a razão
de nos deixar levar por palavras aparentemente bonitas (como reforma,
austeridade, Estado mínimo, sanear contas públicas, enxugar a máquina – e por
que metáforas tão “de casa”?), expressas no som da grave voz de William Bonner
no jornal das oito?
O que nos tornou/a escravos (a propriedade
privada dos meios de produção e o subsequente óbvio controle do trabalho/terra
– do metabolismo societal), foi o que nos afastou historicamente de qualquer
possibilidade de existir fora das mãos dos mercadores da ganância, do dinheiro,
do intercâmbio do trabalho alheio que saltou da esfera do controle imediato e
viu seu patrão pulverizado em holdings, spreads bancários e a mais pura
especulação na Bolsa de Valores (seja de Tokyo ou Nova York – ao capital muito
pouco importa); todavia, sem o trabalho e o trabalhador tudo se transforma num
grande 1929 a lá Caverna do Dragão: sem saída.
Armas
da crítica e crítica das armas: considerações sobre o humano às avessas
Refletindo sobre essa dimensão da materialidade
das armas e da crítica, das armas da crítica e da crítica das armas (não é,
jamais, uma questão do puro pensar, da crítica especulativa, do criticismo
kantiano – o problema da razão ou da cognoscibilidade do conhecimento –, da
crítica apenas como denúncia); a crítica2 é a suprassunção do mundo
(da realidade concreta) que se enfrenta, que é o seu objeto; suprassumir a sua
materialidade e as decorrentes relações institucionais e imateriais
(autonomizadas em aparência, como o treino de um coletivo que não percebeu que “a
religião é um suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a
alma de situações sem alma” MARX, 2005), não só a revolução é um ato histórico,
o pensar também é um ato histórico antes de ser um ato mental.
A nossa imaginação é material, e a matéria é
nossa imaginação, há um tecido/tessitura do mundo ancorada no que decorre dos
nossos pôres teleológicos primários – necessidade de viver até o outro dia –,
para isso comemos, construímos casas, bebemos, nos educamos, aprendemos, tudo
isso quando ao interagir com a natureza através do trabalho produzimos comida
real que enche nossa barriga de matéria que alimenta, para que depois caiba um
pouco de fantasia, mas para continua sendo preciso o dia seguinte. Tudo que nos
“educa” – no sentido de treinar e adestrar – para não percebemos que o ser
humano não “é um ser abstrato, acocorado fora do mundo” (MARX, 2005), depõe
contra a compreensão do profundo caráter histórico de tudo que existe,
inclusive da natureza que se historiciza no processo de nossa constituição
sociometabólica.
O fetichismo da mercadoria, a alienação, a
ideologia cimentam-se num profundo escamoteamento das nossas misérias reais – um
mundo refém do movimento autovalorativo do valor, do lucro –, nos tornando
cúmplices, e até talvez parceiros, da própria barbárie que nos assola. Barbárie
se tivermos sorte? Nem sei se cabe mais a palavra sorte em algum lugar desse
mundo, que virou um grande campo de concentração, como um zoológico humano, à
vista de um grande cassino (como parte do pacote turístico inclui assistir de
camarote-cassino esse espetáculo chamado
trabalhador-pobre-miserável-lumpesinato) de onde os burgueses reais – aqueles
que podem bancar uma volta de foguete na atmosfera terrestre no mesmo momento
em que mais de 60% dos lares brasileiros são atingidos por algum tipo de
insegurança alimentar – apreciam a bela vista, garantia de que seus lucros
continuem destruindo o mesmo metabolismo que possibilita nossa autocriação, em
sentido ontologicamente amplo; contudo faz-se, pelas mãos da ideologia, algo
distante, ilusório, mágico; uma força estranha que a tudo governa.
Essa força estranha, fonte “mágica” da riqueza,
que, por exemplo, o papel-moeda representa e procura esconder no seu
desvelamento transcendental é a perversa inversão que no plano aparente nos faz
crer que é a Moeda que faz o ser humano (riqueza), e não o ser humano (riqueza)
que faz a Moeda.
A naturalização poderia encontrar somente esse
caminho suposto mediante o "natural" presumido da história no bojo da
ideologia capitalista: ela esconde a perversão da igualdade jurídica
substanciada na desigualdade econômica da divinizada/mágica/transcendental
propriedade privada dos meios de produção, que condenou milhões à venda da sua
força de trabalho como única forma de sobreviver, quando os poucos escondidos
por trás da Moeda n° 1 dizem ser natural essa condenação (DUTRA JR, 2015)
A busca incessante da Moeda n° 1
pelos personagens do desenho de Walt Disney, Tio Patinhas, aborda a
centralidade que a equivalência universal representada pelo dinheiro e o
fetiche da riqueza abstrata dada pela posse da primeira Moeda exercem no
conjunto da sociabilidade fundada no valor de troca e no mercado. A metáfora
desenvolvida por Martins em seu texto: Tio Patinhas no centro do universo;
exemplifica como as relações sociais estão fundadas na forma alienada de
conceber o dinheiro em si com a posse da riqueza, eliminando o trabalho da
constituição da produção e riqueza social, e condenando os seres humanos na
busca sem sentido do fim em si da lógica autovalorativa do capital. Ver: MARTINS,
J. S. Tio Patinhas no centro do universo. In: MARTINS, J. S. Uma sociologia da
vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan Fernandes, Wright Mills e
Henri Lefebvre. São Paulo: Contexto, 2014; p. 93 – 103” (DUTRA JR., 2015).
Nesse contexto o campo da barbárie é
o campo da velocidade (dos muitos tempos de vida sobrepostos e dominados pelos
tempos de giro dos capitais individuais que se escondem enquanto capital social
total), que Milan Kundera vê como a forma de êxtase que a revolução técnica deu
de presente ao homem, o ser humano dá velozes passos para a barbárie, assim
expresso em algumas linhas do próprio Kundera:
“Ao contrário do motociclista, quem
corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar sempre me suas
bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais
do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida. Tudo muda quando o homem
delega a uma máquina a faculdade de ser veloz: a partir de então, seu próprio
corpo fica fora do jogo e ele se entrega a uma velocidade que é incorpórea,
imaterial, velocidade pura, velocidade em si mesma, velocidade êxtase” (2011,
p. 7 – 8).
Enquanto isso, em Patópolis, o
segredo da ordem não é ter, permanece sendo esperar ter, quantas coisas
esperamos ter? (e quanto concentramos nessa esfera irrealizável?). Os mesmos
dramas imensos que nos cercam no cotidiano das outras Patópolis (independentes
de serem médias / pequenas); somos seres mutilados, porque materialmente ter
nos priva de humanamente ser (MARTINS, 2014); essa é a marca de toda uma época,
de uma forma histórica específica de experiência do espaço-tempo e de sua
produção; uma experiência partida, negada.
Walter Benjamin (2012), em seu texto
experiência e pobreza aborda o significado da experiência num mundo em crise,
no contexto da Primeira Grande Guerra. A princípio fala da parábola de um velho
que no seu leito de morte revela aos filhos a existência de um tesouro oculto
em seus vinhedos. Ao cavar nas proximidades os filhos não encontram o menor
vestígio desse tesouro. Chegado o outono, todavia, as vinhas produziram mais do
que qualquer outra da região; depois os filhos compreenderam que o pai
transmitira a eles uma certa experiência: “a felicidade não está no ouro, mas
no trabalho duro” (p. 123). A experiência equivalia à comunicação pelos mais
velhos aos mais jovens sobre inúmeras questões da vida e da existência. Mas se
questiona sobre o alcance dessa mesma experiência nos dias de 1933, quando
escreveu o texto: “Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que
saibam narrar algo direito? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que
possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração?” (p. 123), dentre
outras questões.
A geração de 1914 – 1918 viveu uma das mais
terríveis experiências da história universal, com isso, ressalta Benjamin
(2012), a forma clara com que é possível perceber que as experiências estão em
baixa; na época da guerra era notável que os combatentes retornavam silenciosos
dos campos de batalha, mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais
ricos; inclusive os póstumos livros de guerra da década seguinte não
conseguiram trazer à tona experiências transmissíveis de boca em boca. Complementa
com a ressalva de que nunca houvera existido “experiências mais radicalmente
desmentidas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a
experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a
experiência moral pelos governantes [...]” e isso tudo envolto num “[...]
centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras [...]” e lá
“[...] estava o frágil e minúsculo corpo humano” (124). Que enfrenta filas para
receberem ossos doados por açougueiros em Cuiabá, conforme amplamente noticiado
em rede nacional, ou mesmo comprar arroz e feijão quebrados (sobra); a inflação
é dessas experiências que a hegemonia e o ethos ideológico dominante
conseguiram domar como experiência não comunicada, por que natural no âmbito da
economia que parece sempre ter vontade própria ou mesmo vida própria, saltando
aos olhos nas falas dos âncoras do jornalismo econômico de forma geral – o
mercado sempre é muito mais bem tratado que qualquer dos convidados na Globo
News.
O desenvolvimento do capital, impulsionado pela
guerra, atou indelevelmente a técnica, sob o controle das “forças estranhas”
do tempo de trabalho socialmente necessário ao destino da humanidade. Por essa
razão é conveniente expressar mais algumas ideias de Benjamin a esse respeito:
“Uma forma completamente nova de miséria
recaiu sobre os homens com esse monstruoso desenvolvimento da técnica. A
angustiante riqueza de ideias que se difundiu entre – ou melhor, sobre – as
pessoas, com a renovação da astrologia e da ioga, da Christian Science e da
quiromancia, do vegetarianismo e da gnose, da escolástica e do espiritismo, é o
reverso dessa miséria. Pois não é uma renovação autêntica que está em jogo, e
sim uma galvanização [...] Aqui porém revela-se com toda clareza que nossa
pobreza de experiência é apenas uma parte da grande pobreza que recebeu
novamente um rosto, nítido e preciso como o do mendigo medieval. Pois qual o
valor de todo nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a
nós? A horrível mixórdia de estilos e visões de mundo do século passado
mostrou-nos com tanta clareza aonde esses valores culturais podem nos conduzir
quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje
em dia uma prova de honradez confessar nossa pobreza. Sim, confessemos: essa
pobreza não é apenas pobreza em experiências privadas, mas em experiência da
humanidade em geral. Surge assim uma nova barbárie [...] Ela [essa nova
barbárie] o impele a partir para a frente, a começar de novo, a contentar-se
com pouco, a construir com pouco, sem olhar nem para a direita e nem para a esquerda”
(BENJAMIN, 2012, p. 124 – 125)
Esse contexto nos torna tão
resignados na nossa própria miséria, na nossa própria barbárie, que fica
difícil compreender, ou mesmo expressar, as bases materiais que as produzem,
pois ao final, a narrativa desse mundo é sempre o fim da história, o
horizonte inegociável que se fecha; contudo o fardo do nosso tempo histórico
permanece intocado.
As potências nascentes de um mundo fundado sob
a capital exigiram desde cedo sacrifícios aos que, historicamente, não
participariam do Banquete prometido
pelo progresso à frente, apesar da impossibilidade de realização do mesmo sem
os “não participantes”.
Uma passagem do livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, traz um diálogo entre o bispo D.
Bienvenu e o convencionalista G. sobre acontecimentos e contextos históricos
referentes aos desdobramentos da Revolução Francesa, onde G. recorda a tragédia
de uma mãe no século XVII. Enquanto amamentava o filho é amarrada ao
pelourinho, nua até a cintura, com o seio cheio de leite e o coração cheio de
angústia; a criança mantida à distância, com fome empalidece, vendo cair o
leite sem alimentá-la, agonizava; o carrasco diz à mulher, ao tempo mãe e
lactante: - Abjura! -, oferecendo-lhe escolha entre a morte da criança e a
morte da sua consciência. G. retorna o olhar para o bispo e questiona: “Que diz
o senhor desse suplício de Tântalo aplicado a uma mãe?” (HUGO, 2017, p. 90 –
91).
Tântalo foi um lendário rei da Líbia, condenado
por Zeus a ficar eternamente atado a uma árvore carregada de frutos, no meio de
um lago limpídissimo, sem poder matar a própria fome e sede (HUGO, 2017).
O dilema enfrentado pela mãe e a analogia com a
condenação de Tântalo oferece pouca escolha, em ambas as situações a morte de
algo se faz sempre certa; pela fome, pela sede, pelo envenenamento, pela
austeridade, pelo desemprego, pela perda sistemática de direitos e proteção
social, pelo Estado mínimo ou pela consciência.
A vista do horizonte é uma casa, um enclave, no
caminho do progresso; o prenuncio de uma realização que não oferece nada além
da escravidão sísifica – referência ao mito grego de Sísifo, condenado a
empurrar por toda a existência uma pedra ao topo da montanha que ao atingir o
cume rolava abaixo recomeçando o trabalho.
A “escravidão sísifica” – valorização do valor –
prendeu os homens de um determinado tempo histórico – o tempo do
sociometabolismo do capital – ao poder estranho de produzir algo cuja utilidade
não se fazia presente de imediato. Esse poder, inaugurado como riqueza para os
novos tempos, pôs abaixo aquela casa na linha do horizonte, e o casal que a
habitava – Filemon e Baucis, personagens de Fausto
de Goethe – sucumbe ao que estranhamente convenciona-se entender por progresso,
elimina-se entraves, que são, também, seres humanos; com eles a criança, o
leite, a consciência e a utilidade do humano agora convertida na inutilidade da
forma valor, a riqueza que não mais alimenta sem a mediação de uma equivalência
geral do trabalho humano abstrato, que, todavia, não se encontra no trabalho do
outro como concreto da necessidade e da vida.
Refletindo a história do pensamento econômico,
Heilbroner (1996) reconhece que o mercado funda a nova organização da sociedade
sob o capital, na medida em que o universaliza. A aposta do capital é alta: “O
velho brado repercuta: Rende obediência à força bruta! E se lhe obstares a
investida, Arrisca o teto, os bens e a vida” (GOETHE, 2011, p. 575).
Essa aposta representa uma condição a se
reproduzir historicamente, condição sem a qual o capital não pode existir. A
separação entre os trabalhadores, agora livres
na medida das necessidades móveis do capital no contexto dos cercamentos – acumulação primitiva –, e
os meios de produção. Condição que relega aos mesmos a satisfação das suas
necessidades em mãos estranhas, agora dependentes do acesso aos meios de
produção controlados pelos capitalistas.
A expressão ideal da relação material de base
para o capital foi traduzida por Heilbroner (1996) na forma sob a qual a
economia encontra-se com sua parteira, balbuciada na filosofia moral de Adam
Smith, cuja mensagem pôs-se límpida: “A nova filosofia nasceu com um novo
problema: como manter os pobres, pobres” (p. 41).
Derradeiras
palavras (in)conclusivas
Soma de nossas desumanidades que não se
comunicam, pois perderam a capacidade de enxergar o outro como humano, pois
isso também lhe foi negado, a barbárie do capital funda-se nessa desumanidade
completamente naturalizada, e as profundas decorrências desse processo (um
mundo em que como diriam Cristhian Dunker e Vladimir Safatle o sofrimento
psíquico é o próprio neoliberalismo).
Mas nessa barbárie cabe tanto os desfiles
militares e espetáculos esdrúxulos quanto possíveis forem para garantir, por
trimestre, uma das maiores séries históricas de lucratividade dos 4 maiores
bancos brasileiros que negociam ações na Bolsa de Valores – Banco do Brasil,
Bradesco, Itaú e Santander –, o crescimento da lucratividade atingiu 46,4% em
relação ao mesmo período do ano passado, totalizando R$ 21,8 bilhões de reais3.
A crítica radical será sempre necessária num
mundo como esse, para dirimir todas as fantasmagorias e externalidades
metafísicas, e começar a enfrentar o estado de coisas atual com duas concepções
que Marx desenvolve no texto citado de início: “a raiz do ser humano é o
próprio ser humano” e que “a teoria se converta em força material ao se
apoderar das massas”.
Notas
1. Texto elaborado para mediação
na programação de abertura do semestre letivo 2021.2 vinculado à semana de
integração do Departamento de Ciências Humanas – DCH VI da UNEB campus
Caetité/BA. O tema geral proposto foi: Das armas da crítica a crítica das
armas: a importância do pensamento crítico na luta contra a barbárie, tendo como
palestrante a Profa. Dra. Alexandrina Luz Conceição UFS/PPGEO/GPECT.
2. Em 1843, Marx escreve
algumas cartas ao seu editor nos Anais Alemães, Arnold Ruge, com quem ele
planeja a edição de uma revista franco-alemã demonstrara como Marx entendia o
que era a crítica, já nos primeiros anos de sua profícua produção
bibliográfica: “a vantagem da nova tendência é justamente a de que não queremos
antecipar dogmaticamente o mundo, mas encontrar o novo mundo a partir da
crítica do antigo [...] A filosofia se tornou mundana e a prova cabal disso é
que a própria consciência filosófica foi arrastada para dentro da agonia da
batalha, e isso não só exteriormente, mas também interiormente. Embora a
construção do futuro e sua consolidação definitiva não seja assunto nosso,
tanto mais líquido e certo é o que atualmente temos de realizar; refiro-me à crítica
inescrupulosa da realidade dada; inescrupulosa tanto no sentido de que
a crítica não pode temer os seus próprios resultados quanto no sentido de que
não pode temer os conflitos com os poderes estabelecidos [...]” (MARX apud BENSÄID,
2010, p. 10). O prenúncio do que seria a medida da efetiva crítica marxiana
delineia-se – crítica compromissada com a radicalidade de todos os fatos
concretos e com a superação de um mundo que é a imensa prisão para a maioria
dos que o habitam, a crítica teórico-prática, a crítica centrada na totalidade,
a crítica que não cruza os braços diante do mundo, tampouco o produz pela
palavra – como os Crítico críticos; a crítica que só é crítica por se
posicionar e lutar pela superação da ordem, da filosofia, da agonia da batalha
e desse mundo que precisa de ilusões.
3. https://www.poder360.com.br/economia/maiores-bancos-lucram-r-218-bilhoes-no-1o-trimestre/.
Referências
BENJAMIN,
W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história
da cultura. 8º Ed. revista. São Paulo: Brasiliense, 2012 – (Obras Escolhidas v.
1).
DUTRA JR,
W. O (des)conceito de Homem na leitura do espaço-tempo postulado na Geografia Humana: Os enigmas
de uma Geografia Humana sem Homens. 2015. 274 f. Tese (Doutorado em Geografia)
- Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe, São
Cristóvão, 2015.
GOETHE,
J. W. Fausto: uma tragédia – segunda parte. São Paulo: Editora 34, 2011.
HEILBRONER,
R. História do pensamento econômico. São Paulo, 1996 (Col. Os
Economistas).
HUGO, V. Os
miseráveis. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017.
KUNDERA,
M. A lentidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
MARTINS,
J. S. Tio Patinhas no centro do universo. In: MARTINS, J. S. Uma sociologia
da vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan Fernandes, de Wright
Mills e de Henri Lefebvre. São Paulo: Contexto, 2014.
MARX, K. Introdução
à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: MARX, K. Crítica da
filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005 (p. 145 – 156).
MARX, K. Manuscritos
econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2006.
MARX, K. Sobre
a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. 2º Ed. São Paulo: Boitempo, 2017.
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