Wagnervalter Dutra
UNEB/GPECT
Nosso
ponto de partida para buscar esse concreto-pensado em movimento é: não existiria
capital sem a conversão da terra em propriedade privada (seu controle em poucas
mãos). Ao olhar para os lados nos deparamos com aquele ainda imenso acúmulo de
mercadorias, que Marx (2013), ao abrir as páginas do capital sugeriu como uma
cena que esboça a aparência da riqueza, ancorada nessa coleção de mercadorias
acumuladas. O controle da terra se impõe como marca de nascença de todas as
mercadorias, ora como a distância entre as mãos e a terra a ser cultivada, seja
a distância física ou da mediação dos meios necessários para produzir; ora como
a descoberta por Marx da fenda metabólica – levando em conta, inclusive,
elementos da química – que Foster (2012) sinalizou quando discutiu em um artigo
a ecologia da economia política de Marx.
Para apropriar-se de madeira verde é preciso
separá-la com violência de sua ligação orgânica. Assim como isso representa um
atentado evidente contra a árvore, representa um atentado evidente contra o
proprietário da árvore [...] Ademais, se a madeira cortada for furtada de um
terceiro, ela é produto do proprietário. Madeira cortada já é madeira formada.
A ligação natural com a propriedade foi substituída pela ligação artificial.
Portanto, quem furta madeira cortada furta propriedade (MARX, 2017, p. 80 - 81).
A regulação estatal-legal da propriedade privada,
sob o comando da influência econômico-política da burguesia, já amplamente
difundida em meados do século XIX, começou modificando os hábitos em relação à
posse ou acesso aos bens da natureza, que se efetivavam de maneira comunal, no
exemplo da agora metamorfoseada coleta da madeira – que estava no chão – em
“furto de madeira”.
Limitado o
acesso, a máquina estatal foi redefinindo a maneira como a terra tomba
sob a mediação da propriedade privada, que a inscreveu na mercantilização e,
por conseguinte, no ato em que se mediu por um quantum determinado de
dinheiro, passando assim a equivalente de um tempo de trabalho socialmente
necessário, mesmo sem ser mercadoria, pois não é fruto do trabalho humano. E as
mercadorias, convém recordar, carregam o duplo aspecto do uso e da troca. E
como destaca Foster (2012) a partir de Marx:
Valor de uso era associado aos
requisitos da produção em geral e com as relações básicas dos homens com a natureza, ou seja, as
necessidades humanas fundamentais. O valor de troca, por outro lado, era
orientado para a busca do lucro. Isso estabeleceu uma contradição entre a
produção capitalista e a produção em geral (as condições naturais da produção)
(p. 88).
Foster
(2012) então faz menção ao Paradoxo de Lauderdale, mais evidente nos tempos de
Marx, e que se destina a demarcar essa contradição entre a produção capitalista
e as condições naturais da produção. Lauderdale era um dos primeiros
economistas políticos clássicos, e explicava que a riqueza pública consistia em
valores de uso que sempre existiram em abundância, a exemplo do ar, da água; já
as riquezas privadas baseavam-se em valores de troca e demandavam escassez. No
âmbito dessas condições, sustentava ele contra o sistema, a expansão da riqueza
privada só podia significar e andar de mãos dadas com a destruição da riqueza
pública; ao exemplificar assevera: “se as fontes de água, que anteriormente
eram livremente disponíveis, fossem monopolizadas e houvesse uma taxa nos
poços, a medida de riqueza da nação seria aumentada graças ao gasto de riqueza
pública” (LAUDERDALE apud FOSTER, 2012, p. 88).
Sob a
inversão das duas formas do valor (uso e troca) Marx enxergou o Paradoxo de
Lauderdale como uma entre as principais contradições da produção capitalista,
cujo inteiro padrão de desenvolvimento caracteriza-se pela destruição e
desperdício da riqueza natural da sociedade (FOSTER, 2012). Por isso,
sustentando-se no químico Liebig, Marx compreendeu que quando o capital transportava
fibras, alimentos e mercadorias por longos quilômetros, significava que
nutrientes como fósforo ou potássio estavam sendo retirados do solo para virar
poluição nas cidades, não retornando à terra – os frutos da terra já foram
capturados.
Cabe voltar a outro alerta de
Marx (2013), quando ele analisa a acumulação primitiva do capital – e essa perversão
da relação na forma jurídica mercantilizada que é parte dessa totalidade do
processo –, ele remete ao Direito como fonte de expropriação junto ao trabalho
já expropriado, como únicos meios de enriquecimento.
No processo real Marx (2013) é
assertivo ao expor a violência como sua base, na economia política, mais
branda, reinava o idílico. O trabalho pariu-se dessa violência, o (esse) idílico
e sua forma de criar o cândido e otimista melhor dos mundos possíveis tem a
economia política como pai e o Direito como progenitora. Transpondo o idílico
para normatizar a vida, supostamente harmoniosa nas fantasias liberais, o
Direito vela a contradição e torna-se parte da ideologia, um dos braços que a
habilita com efeitos práticos, e a torna em parte interpretada como a maneira
com que se balizam as soluções ou mediações de conflitos na sociedade; porém o
Direito, por sua natureza espelhada na forma valor, abandonou a contradição e
deitou-se com o consenso, sua ‘neutralidade’ habilita a desigualdade resignada
estampada nas relações de classe.
Alienar a terra e diretamente os
frutos da terra como propriedade foi o coroamento dessa chave aberta pela
acumulação primitiva e geral do capital, de prender para além da propriedade o
trabalho que dela já se apartou. O que a terra hoje significa ou representa
capturada pela esfera financeira? E a renda se torna fictícia assim como o
capital? – (este último já há certo tempo).
Parece que as coisas se
desprendem do todo, da totalidade, e só existem como partes, por essa razão a
financeirização nos fez acreditar que o trabalho era dispensável (a fantasia de
automatização/automação do D – D’). Cabe ao capital financeiro a pergunta: é
possível especular com commodities de mercados futuros, como a soja, ferro,
petróleo, sem a garantia do avalista disso tudo? (A mão que semeia a terra, que
minera os metais, que cava poços e extrai petróleo)?
Mas na sanha desse trabalho
aparente dispensável, que potencializa a produtividade e amplia sua capacidade
de produzir valor controlando as melhores condições, da produção à distribuição
chegando ao consumo, e auferindo uma vantagem, traduzida em renda, por parte do
portador daquele lugar privilegiado no processo, que é a terra (fonte de valor
de uso). E hoje com a financeirização – especulativa – da terra e dos frutos da
terra, como se desenham essas vantagens que a renda traduz (absoluta,
diferencial I e II) em benefício daquele controlador imediato, se ele não mais existe
diretamente, senão como personificação do capital no ramo das holdings,
corporações e demais formas de conglomerar
e centralizar o capital, ou seja, nos paraísos fiscais que as fusões
finanças-produção – impossíveis de dissociar como processo – não mais conseguem
disfarçar? Como negociar terras indiretamente na bolsa de valores? Garantindo,
virtual ou efetivamente, ainda que sob pressão especulativa, mais trabalho e
mais terra, para garantir o mais-valor.
Se os latifúndios do Brasil
formassem um país, por exemplo, ele seria o 12º maior território do planeta,
com 2,3 milhões de km², área maior que a Arábia Saudita, é o que informa o Atlas
do Agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que
comemos, publicado pela Fundação Heinrich Böll, no ano de 2018.
Baseado em dados da Oxfam, o Atlas,
ao discutir quem são os donos da terra no Brasil, relaciona com o contexto da
América Latina, cuja conjuntura histórica e geopolítica legou à região a pior
distribuição de terras em todo o Mundo: 51,19% das terras agrícolas estão
concentradas nas mãos de apenas 1% dos proprietários rurais. No caso
brasileiro, ocupamos o 5º lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, o
Brasil possui 45% de sua área produtiva concentrada em propriedades superiores
a mil hectares – o que soma míseros 0,91% do total de imóveis rurais.
Tal nível de concentração
fundiária leva a um comportamento flutuante e especulativo aos próprios preços
de alimentos (queijo / leite / arroz / feijão / café, dentre outros), na medida
em que o valor de troca orienta-se pela escassez, é possível articular nesse
nível de concentração o que a maior parte da superfície de um país vai produzir
– soberania alimentar precisa ser discutida nessa fusão entre os proprietários
fundiários locais e o capital especulativo mundializado. Não apenas o que
comemos, mas o preço e a qualidade são agora controlados por essa fusão
corporativa, que laçou a terra ao braço produtivo-financeirizado das grandes
corporações que a controla direta ou indiretamente (produção agrícola para
exportar, como a soja; produção de alimentos, mineração e controle da água. O
agri-hidro-negócio é cada vez mais financeirizado). A terra e o trabalho
continuam a garantir o ‘moinho satânico’ do capital.
O processo de grilagem, fruto
das decorrências históricas da lei de Terras de 1850, que criou uma espécie de
fundo/estoque de terras públicas, permitiu aos proprietários fundiários
(coronéis), pelas suas conexões com o braço do Estado, se apropriar dessas
terras. Ainda hoje, esse estoque de terras públicas, chama a atenção o Atlas,
soma 10,9% da superfície agrícola do país, mas como gosta de recordar alguns
geógrafos e geógrafas, porém, não existe terra sem cercas nesse país.
A farra da grilagem e
falsificação de titulação de propriedade e apropriações irregulares foi de tal
intensidade que chegamos ao seguinte dado, conforme o Atlas da terra Brasil
2015: o país tem registrados 38 milhões de hectares de terra a mais do que a
superfície total comporta, fenômeno conhecido como beliches ‘fundiários’. O
Brasil possui 453 milhões de hectares privados, correspondendo a 53% de todo o
território nacional, 28% das terras privadas tem tamanhos que extrapolam 15
módulos fiscais e os 66 mil imóveis declarados como ‘grande propriedade
improdutiva’ perfazem estrondosos 175,9 milhões de hectares (apud Atlas do
AgronegócioI, 2018). Quem determina o que será da terra nessa configuração
de forças econômico-políticas?
Dos 26 estados brasileiros
mais o DF, 16 contam com mais de 80% de suas terras em propriedades privadas.
Mato Grosso, vice campeão, tem 92,1% de sua área sob títulos privados e o maior
índice de latifúndios (83%). A Bahia tem 91,7% de seu território sob titulação
privada em 55% de grandes propriedades, acima de 15 Módulos Fiscais (ATLAS,
2018).
O Atlas do Agronegócio
ainda chama atenção sob um aspecto que merece ser considerado. Grande parte da
produção brasileira de commodities agrícolas está vinculada a
conglomerados de estrutura verticalizada, que controlam do plantio à
comercialização (a totalidade da produção direta e a produção indireta fora do
seu círculo acaba tendencialmente controlada quando orbita ao redor dessa
lógica). SLC agrícola (404 mil hectares), Grupo Colin/Tibra Agro (300 mil
hectares), Amaggi (252 mil), Brasil Agro (177 mil), Adecoagro (164 mil), Terra
Santa (156 mil), Grupo Bom Futuro (102 mil) e Odebrecht Agroindustrial (48 mil)
são algumas das empresas que exploram o mercado de terras, tanto para a
produção de commodities quanto para a especulação financeira. O cerrado segue
ameaçado, tendo perdido área superior à Amazônia (236 ante 208 mil hec no ano
de 2018). (ATLAS, 2018).
Tudo isso desenhado pela
pressão do capital agro-financeirizado no campo e nas redefinições das relações
de produção e trabalho – que contraditoriamente não dispensa aquela parcela que
se reproduz pela forma não tipicamente capitalista, o campesinato. A
agropecuária em escala industrial – financeira – é apontada como principal
fator de mudança do uso da terra. Entre 2000 e 2016,
[...] de acordo dados da plataforma
MapBiomas, o cultivo perene de grãos (como soja, milho e sorgo) passou de 7,4
milhões para 20,5 milhões de hectares, uma área duas vezes maior que Portugal;
a cana de açúcar saltou de 926 mil para 2,7 milhões de hectares. Já a pecuária
manteve seu reinado inconteste sobre o Cerrado, avançando de 76 milhões para 90
milhões de hectares: um território equivalente à Venezuela só de postagens”
(ATLAS, p. 15) (o gado que anda em motociatas deve gostar é dessa Venezuela).
Convém observar que o período
dessa expansão equivale ao período em que a desregulamentação neoliberal era um
projeto no país, mesmo que sob a tinta do neodesenvolvimento.
A expansão é em grande parte
sobre o território do Matopiba (Maranhão, tocantis, Piauí e Bahia –
agronegócio), área de 400 mil km² e que engloba a última fronteira agrícola
brasileira com 57% dos imóveis rurais nas mãos de grandes proprietários. Na
Caatinga, 93,2% das terras são propriedades privadas (ATLAS, 2018).
Postas tais questões convém
refletir sobre a renda fictícia nos termos de outro questionamento: os 38
milhões de hectares fictícios (beliches fundiários), são garantias do que senão
do processo de ampliação de commodities e de especulação sobre a terra e todos
os seus frutos? Na terra que não existe o trabalho deixa de ser encontrado,
então a lógica D – D’ nutre e retroalimenta a terra fictícia, o que muitas
vezes leva países inteiros de volta ao mapa da fome como no Brasil de
Bolsonaro. A terra pode ser fictícia, porém a fome é cada vez mais real, na
medida em que o processo do trabalho produtor de usos continua relegado na
esfera do valor que se valoriza. Por essa razão controlam até o que comemos e
como comemos, fora a produção industrial que retira componentes nutritivos do
alimento para induzir ao vício e não saciar a fome.
A 3G capital, grupo controlado
por brasileiros que fundaram a Ambev, hoje AbInbev, foi crescendo o seu poder
de controlar a água, a terra e os frutos da terra. No início produzia cerveja e
passou a comprar outras corporações/indústrias do ramo alimentício, como a Burguer
King, a Heinz (que controla o grupo Kraft Foods – formou a Kraft Heiz) em
parceira com o conhecido investidor Warren Buffet; controlam hoje absurdos, a
partir da AbInbev, 25% (¼) das vendas mundiais de cerveja, 1 a cada 4 cervejas
abertas no mundo são deles. Imagine a extensão do poder de um conglomerado
dessa natureza no controle da terra e da água, basta lembrar que a fabricação
de cerveja consome imenso volume de água. Ao mesmo tempo que tomamos uma
cerveja estamos contribuindo com o processo da formação da fome ideal e real, é
a dura face da totalidade contraditória do capital (ATLAS, 2018).
Toda a atual arquitetura
institucional-estatal que pesou para capturar a terra foi traçada pelo Banco
Mundial desde o começo da década de 1990, cuja política objetivava fazer-se
pelos seguintes passos/programas: cadastro e georreferenciamento de imóveis
rurais, privatização de terras públicas e comunitárias, titulação de posses;
mercantilização da reforma agrária; o mercado de terras (Crédito Fundiário,
Banco da Terra, Nossa Primeira Terra); e a integração dos camponeses ao
agronegócio. Como apontam Resende e Mendonça (2004), esse foi o receituário do
BM para a terra ecoando o Consenso de Washington. O que essas exigências
guardavam?
Observa-se que a titulação e a
formalização jurídica da propriedade estão completamente voltadas para
inseri-las, como terra prometida, como valor de uso sob controle, num mercador
desregulado e nas mãos das finanças especulativas. O papel que os ‘beliches
fundiários’ tem a cumprir agora fazem mais sentido, todavia apenas na
irracionalidade substantiva subjacente à lógica do capital.
‘Terras fictícias’ passeiam
por e pressionam as terras reais de quem são os reais produtores do alimento,
que também se reproduzem no âmbito contraditório de como as relações
capitalista no campo brasileiro utilizaram-se das formas não diretamente
capitalistas para sua garantia reprodutiva. O trabalho escravo ocupa que papel
na regulação da composição orgânica do capital? Já refletimos sobre isso? Ou
sua existência prova as contradições das tendências e contratendências ao
decrescimento da taxa de lucro?
Tal pressão exercida sobre o
campo aprofundou-se após o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, que ao
retirar Dilma Rousseff do poder abriu caminho para ampliar o domínio do
rentismo e das finanças sobre a terra e toda a sociedade brasileira (quantas
indústrias fechadas em decorrência dessa irracionalidade?). Por essa razão os
conflitos por terra e água explodiram no último governo, representante prático
da instalação real-concreta da ponte para o futuro de Temer (aquele era o
programa dos burgueses e latifundiários desse país). Algo que é comum e curioso
merece destaque, a saber, a usual fusão, ou melhor, personificação, dos
políticos do legislativo/executivo como latifundiários. Como exemplo; só um dos
integrantes da bancada do Boi (ruralista), o deputado Newton Cardoso (MDB de
Minas) possui 185 mil hectares em 145 fazendas – (CASTILHO, 2012).
Dados apontam o aumento de 75%
dos assassinatos no campo de 2020 para 2021 (Brasil de Fato). Em decorrência da
ação de garimpeiros e outras violências como o trabalho escravo, o Jornal
Correio Braziliense com base nos estudos da CPT, identificaram aumento de
1.100% das mortes em consequências desses combates.
A mineradores seguem apropriando-se
das terras comuns (fundo e fecho de pasto) e das nascentes no Alto Sertão
baiano, como já é conhecida a ação da Bamin, no caso do Projeto Pedra de Ferro
que engloba as regiões de Caetité, Pindaí, Guanambi e adjacências.
Associado à mineração o grande
capital Chinês se apropriou do controle da ferrovia oeste-leste (FIOL),
construída com recursos do PAC do período Lula-Dilma, e cedida aos chineses
pelo governo do Estado da Bahia pelos próximos 35 anos.
O caderno Conflitos do Campo
2021, publicados pela Comissão Pastoral da Terra, registram conflitos por terra
em decorrência da pressão do capital na ocupação de terras/territórios – FIOL
serve a isso também – pelos grandes empreendimentos mineradores e pela
especulação do capital.
Em Caetité, por exemplo, em
Curral Velho e Serragem, por conta da FIOL, 200 famílias estiveram envolvidas
em conflitos. Todavia a atividade de mineração responde fundamentalmente pelos
conflitos por água na região. Em Caetité registram-se nove conflitos por água
(demarcados pela categoria Barragens e Açudes), e o Projeto Pedra de Ferro da
Bamin (produção de minério de ferro) está presente em 7 registros do total de
conflitos; uma comunidade sem o registro direto da atividade geradora do
conflito e outra comunidade a tensão gerada se deu em decorrência da FIOL. O
total de famílias envolvidas em conflitos por água, para que o dinheiro
estranho de Luxemburgo (BAMIM) possam seguir lucrando, perfazem o total de 466
famílias (CPT, 2021).
O Caderno Conflitos do Campo
ainda resgata conflitos rurais em duas séries de períodos históricos
considerados, 2011/2015 e 2016/2021. Comparando os dois períodos registraram-se:
incremento de 76,34% de conflitos por terra; queda de 29,63% de conflitos
trabalhistas (que a reforma explica em parte, já que praticamente legaliza a
escravidão, ao desregular ainda mais para o capital o âmbito formal-contratual da
relação jurídica patrão-empregado); aumento de 240,40% de conflitos por água.
No total de todos os conflitos houve aumento médio de 54,13%. Os assassinatos
comparados entre a série histórica aludida cresceram 34,04%, com aumento de
55,08% de pessoas envolvidas e perfez um aumento de 376,97% na área (hectares)
em que se registraram os conflitos (CPT, 2021).
Uma série histórica sempre
crescente, acentuada pós-2016, e que em paralelo demonstra o contínuo avanço do
capital no controle da terra e da água no campo brasileiro, não sem conflitos e
resistências necessárias, ainda que limitadas pela atual conjuntura política e
de correlação de forças.
O norte e nordeste (a
periferia brasileira) seguem recordistas na concentração das ocorrências
especializadas de conflitos registrados – novas fronteiras agrícolas virão, é
possível presumir? –, com 47% no Norte e 31% no Nordeste. Da totalidade dos
conflitos as populações e categorias mais atingidas são os indígenas,
quilombolas, posseiros e sem terras com percentuais de 26%, 17%, 17% e 14%,
respectivamente. Fazendeiros e empresários são os maiores geradores de ações
que levam aos conflitos com 21,40% delas sob responsabilidade dos fazendeiros e
20,00% levada a cabo pelos empresários. Outro registro fundamental da extensão
do controle da terra pelas forças hegemônicas do capital diz respeito aos
números dos projetos de assentamentos de reforma agrária que caíram assustadoramente
de um pico de 858 projetos no ano de 2005, para apenas 2 projetos em 2019. (CPT,
2021). O projeto é do controle privatista total da terra e da água, direta e
indiretamente.
É preciso redesenhar e
redefinir muitos rumos da luta camponesa, sobremodo depois da ativação do necrocapitalismo,
que conforme Miranda é uma noção mais precisa do que necropolítica, pois essa
última soa como externalidade. A luta é pela radical subversão do
sociometabolismo do capital para que os frutos da terra se libertem da dupla
alienação a que foram submetidos: como extensão da propriedade e como distância
das mãos que o produzem. Essa é a subversão que queremos, a que destine os
seres humanos a dominarem a totalidade da produção, e não o contrário, que é
exatamente o que acontece cada vez mais hoje.
Referências
Atlas do agronegócio: fatos e números sobre
as corporações que controlam o que comemos. Maureen Santos, Verena Glass,
organizadoras. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2018.
CASTILHO, A. L. Partido da terra: como políticos conquistam o território brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.
Conflitos no campo: Brasil 2021 / Centro de documentação Dom Tomás Balduíno. Goiânia: CPT Nacional, 2022.
MARX, K. Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira. São Paulo: Boitempo, 2017.
MIRANDA, G. Necrocapitalismo: ensaio sobre como nos matam. São Paulo: Lavrapalavra, 2021.
RESENDE, M. & MENDONÇA, M. L. Apresentação. In: MARTINS, M. D. (org.). O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004.
P.S: o presente texto foi elaborado para participação da mesa com tema: conflitos por terra e produção artificial de sua renda no contexto da luta camponesa contra o capital no âmbito da VI JURA - Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, promovida pela UESB e UESC.
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