Páginas

Lema do Blog

Votar é abdicar -
Élysée Reclus

quinta-feira, 14 de julho de 2022

“Conflitos por terra e produção artificial de sua renda no contexto da luta camponesa contra o capital: ponderações críticas”

                                                                                          Wagnervalter Dutra

                                                                                 UNEB/GPECT 

            Nosso ponto de partida para buscar esse concreto-pensado em movimento é: não existiria capital sem a conversão da terra em propriedade privada (seu controle em poucas mãos). Ao olhar para os lados nos deparamos com aquele ainda imenso acúmulo de mercadorias, que Marx (2013), ao abrir as páginas do capital sugeriu como uma cena que esboça a aparência da riqueza, ancorada nessa coleção de mercadorias acumuladas. O controle da terra se impõe como marca de nascença de todas as mercadorias, ora como a distância entre as mãos e a terra a ser cultivada, seja a distância física ou da mediação dos meios necessários para produzir; ora como a descoberta por Marx da fenda metabólica – levando em conta, inclusive, elementos da química – que Foster (2012) sinalizou quando discutiu em um artigo a ecologia da economia política de Marx.

            Em um dos tópicos do texto supramencionado, Marx e o Raubbau capitalista, Foster (2012) relembra que em seu primeiro ensaio político-econômico Marx discutiu o furto de madeira e as modificações que criminalizavam um costume antigo por parte dos camponeses. A maioria dos que estavam presos na Prússia daquele período eram camponeses presos por recolher madeira morta nas florestas. A edificação da propriedade privada obstaculizou um costume antigo e habitual dos camponeses, o que estava em tela era a proteção, recorda Marx, dos direitos de propriedade dos donos da terra (e o direito habitual dos camponeses foi completamente ignorado). O capitalismo inicia-se, recorda Foster (2012), “[...] como um sistema de usurpação da natureza e da riqueza pública” (p. 88). Ainda no debate sobre o furto de madeira, Marx (2017) detalha essa inversão ao domínio da propriedade e até ao que organicamente se afasta dela em decorrência do processo,

 

Para apropriar-se de madeira verde é preciso separá-la com violência de sua ligação orgânica. Assim como isso representa um atentado evidente contra a árvore, representa um atentado evidente contra o proprietário da árvore [...] Ademais, se a madeira cortada for furtada de um terceiro, ela é produto do proprietário. Madeira cortada já é madeira formada. A ligação natural com a propriedade foi substituída pela ligação artificial. Portanto, quem furta madeira cortada furta propriedade (MARX, 2017, p. 80 - 81).

 

  A regulação estatal-legal da propriedade privada, sob o comando da influência econômico-política da burguesia, já amplamente difundida em meados do século XIX, começou modificando os hábitos em relação à posse ou acesso aos bens da natureza, que se efetivavam de maneira comunal, no exemplo da agora metamorfoseada coleta da madeira – que estava no chão – em “furto de madeira”.

            Limitado o acesso, a máquina estatal foi redefinindo a maneira como a terra tomba sob a mediação da propriedade privada, que a inscreveu na mercantilização e, por conseguinte, no ato em que se mediu por um quantum determinado de dinheiro, passando assim a equivalente de um tempo de trabalho socialmente necessário, mesmo sem ser mercadoria, pois não é fruto do trabalho humano. E as mercadorias, convém recordar, carregam o duplo aspecto do uso e da troca. E como destaca Foster (2012) a partir de Marx:

 

Valor de uso era associado aos requisitos da produção em geral e com as relações básicas dos homens com a natureza, ou seja, as necessidades humanas fundamentais. O valor de troca, por outro lado, era orientado para a busca do lucro. Isso estabeleceu uma contradição entre a produção capitalista e a produção em geral (as condições naturais da produção) (p. 88).

 

         Foster (2012) então faz menção ao Paradoxo de Lauderdale, mais evidente nos tempos de Marx, e que se destina a demarcar essa contradição entre a produção capitalista e as condições naturais da produção. Lauderdale era um dos primeiros economistas políticos clássicos, e explicava que a riqueza pública consistia em valores de uso que sempre existiram em abundância, a exemplo do ar, da água; já as riquezas privadas baseavam-se em valores de troca e demandavam escassez. No âmbito dessas condições, sustentava ele contra o sistema, a expansão da riqueza privada só podia significar e andar de mãos dadas com a destruição da riqueza pública; ao exemplificar assevera: “se as fontes de água, que anteriormente eram livremente disponíveis, fossem monopolizadas e houvesse uma taxa nos poços, a medida de riqueza da nação seria aumentada graças ao gasto de riqueza pública” (LAUDERDALE apud FOSTER, 2012, p. 88).

            Sob a inversão das duas formas do valor (uso e troca) Marx enxergou o Paradoxo de Lauderdale como uma entre as principais contradições da produção capitalista, cujo inteiro padrão de desenvolvimento caracteriza-se pela destruição e desperdício da riqueza natural da sociedade (FOSTER, 2012). Por isso, sustentando-se no químico Liebig, Marx compreendeu que quando o capital transportava fibras, alimentos e mercadorias por longos quilômetros, significava que nutrientes como fósforo ou potássio estavam sendo retirados do solo para virar poluição nas cidades, não retornando à terra – os frutos da terra já foram capturados.

Cabe voltar a outro alerta de Marx (2013), quando ele analisa a acumulação primitiva do capital – e essa perversão da relação na forma jurídica mercantilizada que é parte dessa totalidade do processo –, ele remete ao Direito como fonte de expropriação junto ao trabalho já expropriado, como únicos meios de enriquecimento.

No processo real Marx (2013) é assertivo ao expor a violência como sua base, na economia política, mais branda, reinava o idílico. O trabalho pariu-se dessa violência, o (esse) idílico e sua forma de criar o cândido e otimista melhor dos mundos possíveis tem a economia política como pai e o Direito como progenitora. Transpondo o idílico para normatizar a vida, supostamente harmoniosa nas fantasias liberais, o Direito vela a contradição e torna-se parte da ideologia, um dos braços que a habilita com efeitos práticos, e a torna em parte interpretada como a maneira com que se balizam as soluções ou mediações de conflitos na sociedade; porém o Direito, por sua natureza espelhada na forma valor, abandonou a contradição e deitou-se com o consenso, sua ‘neutralidade’ habilita a desigualdade resignada estampada nas relações de classe.

Alienar a terra e diretamente os frutos da terra como propriedade foi o coroamento dessa chave aberta pela acumulação primitiva e geral do capital, de prender para além da propriedade o trabalho que dela já se apartou. O que a terra hoje significa ou representa capturada pela esfera financeira? E a renda se torna fictícia assim como o capital? – (este último já há certo tempo).

Parece que as coisas se desprendem do todo, da totalidade, e só existem como partes, por essa razão a financeirização nos fez acreditar que o trabalho era dispensável (a fantasia de automatização/automação do D – D’). Cabe ao capital financeiro a pergunta: é possível especular com commodities de mercados futuros, como a soja, ferro, petróleo, sem a garantia do avalista disso tudo? (A mão que semeia a terra, que minera os metais, que cava poços e extrai petróleo)?

Mas na sanha desse trabalho aparente dispensável, que potencializa a produtividade e amplia sua capacidade de produzir valor controlando as melhores condições, da produção à distribuição chegando ao consumo, e auferindo uma vantagem, traduzida em renda, por parte do portador daquele lugar privilegiado no processo, que é a terra (fonte de valor de uso). E hoje com a financeirização – especulativa – da terra e dos frutos da terra, como se desenham essas vantagens que a renda traduz (absoluta, diferencial I e II) em benefício daquele controlador imediato, se ele não mais existe diretamente, senão como personificação do capital no ramo das holdings, corporações e demais formas de conglomerar  e centralizar o capital, ou seja, nos paraísos fiscais que as fusões finanças-produção – impossíveis de dissociar como processo – não mais conseguem disfarçar? Como negociar terras indiretamente na bolsa de valores? Garantindo, virtual ou efetivamente, ainda que sob pressão especulativa, mais trabalho e mais terra, para garantir o mais-valor.

Se os latifúndios do Brasil formassem um país, por exemplo, ele seria o 12º maior território do planeta, com 2,3 milhões de km², área maior que a Arábia Saudita, é o que informa o Atlas do Agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos, publicado pela Fundação Heinrich Böll, no ano de 2018.

Baseado em dados da Oxfam, o Atlas, ao discutir quem são os donos da terra no Brasil, relaciona com o contexto da América Latina, cuja conjuntura histórica e geopolítica legou à região a pior distribuição de terras em todo o Mundo: 51,19% das terras agrícolas estão concentradas nas mãos de apenas 1% dos proprietários rurais. No caso brasileiro, ocupamos o 5º lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, o Brasil possui 45% de sua área produtiva concentrada em propriedades superiores a mil hectares – o que soma míseros 0,91% do total de imóveis rurais.

Tal nível de concentração fundiária leva a um comportamento flutuante e especulativo aos próprios preços de alimentos (queijo / leite / arroz / feijão / café, dentre outros), na medida em que o valor de troca orienta-se pela escassez, é possível articular nesse nível de concentração o que a maior parte da superfície de um país vai produzir – soberania alimentar precisa ser discutida nessa fusão entre os proprietários fundiários locais e o capital especulativo mundializado. Não apenas o que comemos, mas o preço e a qualidade são agora controlados por essa fusão corporativa, que laçou a terra ao braço produtivo-financeirizado das grandes corporações que a controla direta ou indiretamente (produção agrícola para exportar, como a soja; produção de alimentos, mineração e controle da água. O agri-hidro-negócio é cada vez mais financeirizado). A terra e o trabalho continuam a garantir o ‘moinho satânico’ do capital.

O processo de grilagem, fruto das decorrências históricas da lei de Terras de 1850, que criou uma espécie de fundo/estoque de terras públicas, permitiu aos proprietários fundiários (coronéis), pelas suas conexões com o braço do Estado, se apropriar dessas terras. Ainda hoje, esse estoque de terras públicas, chama a atenção o Atlas, soma 10,9% da superfície agrícola do país, mas como gosta de recordar alguns geógrafos e geógrafas, porém, não existe terra sem cercas nesse país.

A farra da grilagem e falsificação de titulação de propriedade e apropriações irregulares foi de tal intensidade que chegamos ao seguinte dado, conforme o Atlas da terra Brasil 2015: o país tem registrados 38 milhões de hectares de terra a mais do que a superfície total comporta, fenômeno conhecido como beliches ‘fundiários’. O Brasil possui 453 milhões de hectares privados, correspondendo a 53% de todo o território nacional, 28% das terras privadas tem tamanhos que extrapolam 15 módulos fiscais e os 66 mil imóveis declarados como ‘grande propriedade improdutiva’ perfazem estrondosos 175,9 milhões de hectares (apud Atlas do AgronegócioI, 2018). Quem determina o que será da terra nessa configuração de forças econômico-políticas?

Dos 26 estados brasileiros mais o DF, 16 contam com mais de 80% de suas terras em propriedades privadas. Mato Grosso, vice campeão, tem 92,1% de sua área sob títulos privados e o maior índice de latifúndios (83%). A Bahia tem 91,7% de seu território sob titulação privada em 55% de grandes propriedades, acima de 15 Módulos Fiscais (ATLAS, 2018).

O Atlas do Agronegócio ainda chama atenção sob um aspecto que merece ser considerado. Grande parte da produção brasileira de commodities agrícolas está vinculada a conglomerados de estrutura verticalizada, que controlam do plantio à comercialização (a totalidade da produção direta e a produção indireta fora do seu círculo acaba tendencialmente controlada quando orbita ao redor dessa lógica). SLC agrícola (404 mil hectares), Grupo Colin/Tibra Agro (300 mil hectares), Amaggi (252 mil), Brasil Agro (177 mil), Adecoagro (164 mil), Terra Santa (156 mil), Grupo Bom Futuro (102 mil) e Odebrecht Agroindustrial (48 mil) são algumas das empresas que exploram o mercado de terras, tanto para a produção de commodities quanto para a especulação financeira. O cerrado segue ameaçado, tendo perdido área superior à Amazônia (236 ante 208 mil hec no ano de 2018). (ATLAS, 2018).

Tudo isso desenhado pela pressão do capital agro-financeirizado no campo e nas redefinições das relações de produção e trabalho – que contraditoriamente não dispensa aquela parcela que se reproduz pela forma não tipicamente capitalista, o campesinato. A agropecuária em escala industrial – financeira – é apontada como principal fator de mudança do uso da terra. Entre 2000 e 2016,

 

[...] de acordo dados da plataforma MapBiomas, o cultivo perene de grãos (como soja, milho e sorgo) passou de 7,4 milhões para 20,5 milhões de hectares, uma área duas vezes maior que Portugal; a cana de açúcar saltou de 926 mil para 2,7 milhões de hectares. Já a pecuária manteve seu reinado inconteste sobre o Cerrado, avançando de 76 milhões para 90 milhões de hectares: um território equivalente à Venezuela só de postagens” (ATLAS, p. 15) (o gado que anda em motociatas deve gostar é dessa Venezuela).

 

Convém observar que o período dessa expansão equivale ao período em que a desregulamentação neoliberal era um projeto no país, mesmo que sob a tinta do neodesenvolvimento.

A expansão é em grande parte sobre o território do Matopiba (Maranhão, tocantis, Piauí e Bahia – agronegócio), área de 400 mil km² e que engloba a última fronteira agrícola brasileira com 57% dos imóveis rurais nas mãos de grandes proprietários. Na Caatinga, 93,2% das terras são propriedades privadas (ATLAS, 2018).

Postas tais questões convém refletir sobre a renda fictícia nos termos de outro questionamento: os 38 milhões de hectares fictícios (beliches fundiários), são garantias do que senão do processo de ampliação de commodities e de especulação sobre a terra e todos os seus frutos? Na terra que não existe o trabalho deixa de ser encontrado, então a lógica D – D’ nutre e retroalimenta a terra fictícia, o que muitas vezes leva países inteiros de volta ao mapa da fome como no Brasil de Bolsonaro. A terra pode ser fictícia, porém a fome é cada vez mais real, na medida em que o processo do trabalho produtor de usos continua relegado na esfera do valor que se valoriza. Por essa razão controlam até o que comemos e como comemos, fora a produção industrial que retira componentes nutritivos do alimento para induzir ao vício e não saciar a fome.

A 3G capital, grupo controlado por brasileiros que fundaram a Ambev, hoje AbInbev, foi crescendo o seu poder de controlar a água, a terra e os frutos da terra. No início produzia cerveja e passou a comprar outras corporações/indústrias do ramo alimentício, como a Burguer King, a Heinz (que controla o grupo Kraft Foods – formou a Kraft Heiz) em parceira com o conhecido investidor Warren Buffet; controlam hoje absurdos, a partir da AbInbev, 25% (¼) das vendas mundiais de cerveja, 1 a cada 4 cervejas abertas no mundo são deles. Imagine a extensão do poder de um conglomerado dessa natureza no controle da terra e da água, basta lembrar que a fabricação de cerveja consome imenso volume de água. Ao mesmo tempo que tomamos uma cerveja estamos contribuindo com o processo da formação da fome ideal e real, é a dura face da totalidade contraditória do capital (ATLAS, 2018).

Toda a atual arquitetura institucional-estatal que pesou para capturar a terra foi traçada pelo Banco Mundial desde o começo da década de 1990, cuja política objetivava fazer-se pelos seguintes passos/programas: cadastro e georreferenciamento de imóveis rurais, privatização de terras públicas e comunitárias, titulação de posses; mercantilização da reforma agrária; o mercado de terras (Crédito Fundiário, Banco da Terra, Nossa Primeira Terra); e a integração dos camponeses ao agronegócio. Como apontam Resende e Mendonça (2004), esse foi o receituário do BM para a terra ecoando o Consenso de Washington. O que essas exigências guardavam?

Observa-se que a titulação e a formalização jurídica da propriedade estão completamente voltadas para inseri-las, como terra prometida, como valor de uso sob controle, num mercador desregulado e nas mãos das finanças especulativas. O papel que os ‘beliches fundiários’ tem a cumprir agora fazem mais sentido, todavia apenas na irracionalidade substantiva subjacente à lógica do capital.

‘Terras fictícias’ passeiam por e pressionam as terras reais de quem são os reais produtores do alimento, que também se reproduzem no âmbito contraditório de como as relações capitalista no campo brasileiro utilizaram-se das formas não diretamente capitalistas para sua garantia reprodutiva. O trabalho escravo ocupa que papel na regulação da composição orgânica do capital? Já refletimos sobre isso? Ou sua existência prova as contradições das tendências e contratendências ao decrescimento da taxa de lucro?

Tal pressão exercida sobre o campo aprofundou-se após o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, que ao retirar Dilma Rousseff do poder abriu caminho para ampliar o domínio do rentismo e das finanças sobre a terra e toda a sociedade brasileira (quantas indústrias fechadas em decorrência dessa irracionalidade?). Por essa razão os conflitos por terra e água explodiram no último governo, representante prático da instalação real-concreta da ponte para o futuro de Temer (aquele era o programa dos burgueses e latifundiários desse país). Algo que é comum e curioso merece destaque, a saber, a usual fusão, ou melhor, personificação, dos políticos do legislativo/executivo como latifundiários. Como exemplo; só um dos integrantes da bancada do Boi (ruralista), o deputado Newton Cardoso (MDB de Minas) possui 185 mil hectares em 145 fazendas – (CASTILHO, 2012).

Dados apontam o aumento de 75% dos assassinatos no campo de 2020 para 2021 (Brasil de Fato). Em decorrência da ação de garimpeiros e outras violências como o trabalho escravo, o Jornal Correio Braziliense com base nos estudos da CPT, identificaram aumento de 1.100% das mortes em consequências desses combates.

A mineradores seguem apropriando-se das terras comuns (fundo e fecho de pasto) e das nascentes no Alto Sertão baiano, como já é conhecida a ação da Bamin, no caso do Projeto Pedra de Ferro que engloba as regiões de Caetité, Pindaí, Guanambi e adjacências.

Associado à mineração o grande capital Chinês se apropriou do controle da ferrovia oeste-leste (FIOL), construída com recursos do PAC do período Lula-Dilma, e cedida aos chineses pelo governo do Estado da Bahia pelos próximos 35 anos.

O caderno Conflitos do Campo 2021, publicados pela Comissão Pastoral da Terra, registram conflitos por terra em decorrência da pressão do capital na ocupação de terras/territórios – FIOL serve a isso também – pelos grandes empreendimentos mineradores e pela especulação do capital.

Em Caetité, por exemplo, em Curral Velho e Serragem, por conta da FIOL, 200 famílias estiveram envolvidas em conflitos. Todavia a atividade de mineração responde fundamentalmente pelos conflitos por água na região. Em Caetité registram-se nove conflitos por água (demarcados pela categoria Barragens e Açudes), e o Projeto Pedra de Ferro da Bamin (produção de minério de ferro) está presente em 7 registros do total de conflitos; uma comunidade sem o registro direto da atividade geradora do conflito e outra comunidade a tensão gerada se deu em decorrência da FIOL. O total de famílias envolvidas em conflitos por água, para que o dinheiro estranho de Luxemburgo (BAMIM) possam seguir lucrando, perfazem o total de 466 famílias (CPT, 2021).

O Caderno Conflitos do Campo ainda resgata conflitos rurais em duas séries de períodos históricos considerados, 2011/2015 e 2016/2021. Comparando os dois períodos registraram-se: incremento de 76,34% de conflitos por terra; queda de 29,63% de conflitos trabalhistas (que a reforma explica em parte, já que praticamente legaliza a escravidão, ao desregular ainda mais para o capital o âmbito formal-contratual da relação jurídica patrão-empregado); aumento de 240,40% de conflitos por água. No total de todos os conflitos houve aumento médio de 54,13%. Os assassinatos comparados entre a série histórica aludida cresceram 34,04%, com aumento de 55,08% de pessoas envolvidas e perfez um aumento de 376,97% na área (hectares) em que se registraram os conflitos (CPT, 2021).

Uma série histórica sempre crescente, acentuada pós-2016, e que em paralelo demonstra o contínuo avanço do capital no controle da terra e da água no campo brasileiro, não sem conflitos e resistências necessárias, ainda que limitadas pela atual conjuntura política e de correlação de forças.

O norte e nordeste (a periferia brasileira) seguem recordistas na concentração das ocorrências especializadas de conflitos registrados – novas fronteiras agrícolas virão, é possível presumir? –, com 47% no Norte e 31% no Nordeste. Da totalidade dos conflitos as populações e categorias mais atingidas são os indígenas, quilombolas, posseiros e sem terras com percentuais de 26%, 17%, 17% e 14%, respectivamente. Fazendeiros e empresários são os maiores geradores de ações que levam aos conflitos com 21,40% delas sob responsabilidade dos fazendeiros e 20,00% levada a cabo pelos empresários. Outro registro fundamental da extensão do controle da terra pelas forças hegemônicas do capital diz respeito aos números dos projetos de assentamentos de reforma agrária que caíram assustadoramente de um pico de 858 projetos no ano de 2005, para apenas 2 projetos em 2019. (CPT, 2021). O projeto é do controle privatista total da terra e da água, direta e indiretamente.

É preciso redesenhar e redefinir muitos rumos da luta camponesa, sobremodo depois da ativação do necrocapitalismo, que conforme Miranda é uma noção mais precisa do que necropolítica, pois essa última soa como externalidade. A luta é pela radical subversão do sociometabolismo do capital para que os frutos da terra se libertem da dupla alienação a que foram submetidos: como extensão da propriedade e como distância das mãos que o produzem. Essa é a subversão que queremos, a que destine os seres humanos a dominarem a totalidade da produção, e não o contrário, que é exatamente o que acontece cada vez mais hoje.

 

Referências

 

Atlas do agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. Maureen Santos, Verena Glass, organizadoras. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2018.

CASTILHO, A. L. Partido da terra: como políticos conquistam o território brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012.

Conflitos no campo: Brasil 2021 / Centro de documentação Dom Tomás Balduíno. Goiânia: CPT Nacional, 2022.

MARX, K. Os despossuídos: debates sobre a lei referente ao furto de madeira. São Paulo: Boitempo, 2017.

MIRANDA, G. Necrocapitalismo: ensaio sobre como nos matam. São Paulo: Lavrapalavra, 2021.

RESENDE, M. & MENDONÇA, M. L. Apresentação. In: MARTINS, M. D. (org.). O Banco Mundial e a terra: ofensiva e resistência na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004.

P.S: o presente texto foi elaborado para participação da mesa com tema: conflitos por terra e produção artificial de sua renda no contexto da luta camponesa contra o capital no âmbito da VI JURA - Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária, promovida pela UESB e UESC.

Nenhum comentário:

Postar um comentário